quarta-feira, 11 de abril de 2012

Desses tais, que pensam demais



Desconfie quando a dor parecer completa. Sempre pode piorar. Se estiver de pé, se tiver saúde e lucidez, sinta-se grato. Atrás de você tem muita gente na fila das complicações da vida. Dica de quem ficou sem namorado no mesmo momento que ainda dormia num pequeno colchão no chão e ainda não tinha para onde correr em domingos com excesso de cerveja na cabeça e perturbações no espírito.

Meu namorado nunca foi um cara com quem eu conseguia conversar tudo. Fui sempre eu a complicada da relação. A complexa. A detalhista. A que contava a história da avó do irmão da manicura, para chegar na afirmação básica de que o esmalte ficou legal. Ele não lê, não vai muito ao cinema, tampouco ao teatro. Trabalha com futebol e assiste jogos na televisão quase que religiosamente aos domingos. E programas de entretenimento também. Vai à missa. É meio machista, do tipo que questiona certos comportamentos femininos como corretos ou não. Mas questiona os masculinos também, para meu alívio.

Mas ele gosta de música. Canta muito bem e toca surdo tão bem quanto. Usa chapéu e não se importa de vestir camiseta rosa. É divertido e está quase sempre de bom humor. É grande e tem um abraço onde eu caibo, onde não sobra nada desprotegido. E o amor, aos 29 anos já posso dizer: não tem receita. A gente até reúne milhares de critérios importantes e tenta achar alguém que caiba neles. A diferença de hoje para 10 anos atrás é a taxa de porcentagem rígida dessas exigências. Quanto mais o tempo passa, mais flexibilizo as possibilidades. Pessoas são universos enormes e insondáveis demais pra gente rotular e não se permitir conhecer e se alimentar do lado bom que todas elas têm.

Nossa energia sempre fluiu muito bem. Era energia com som de sorriso.

Por isso não fui eu quem pediu um tempo. Continuava feliz com a possibilidade de morarmos mais perto, quase do lado. Rio-Minas é quase uma ponte aérea. Bem diferente de Fortaleza. Parecia tão óbvio que seria melhor que não me preocupei com um problema que já vinha mostrando uma face rígida e pontiaguda bem antes de eu chegar aqui: eu estava crescendo, enquanto ele permanecia e permaneceria exatamente no mesmo lugar. Estava vindo para uma cidade onde muitas coisas acontecem, ou poucas coisas sempre acontecem, nem que sejam sob a forma de paisagem.

Acho que ele se assustou. Acho. Arrumou um motivo qualquer e me pôs de lado. E eu, que já vinha me desmanchando, despenquei. Bebi. Chorei. Voltei a fumar. Pensei milhares de vezes nos outros términos que se acumulam sob minha coluna e não quis acreditar que lá vinha outro fim. A gente cansa disso. E nessas horas reza pra não se apaixonar de novo, nunca mais, ou pelos próximos meses. Ta, pelo menos pela próxima semana.

A vida passa muito rápido. E eu, que já nasci velha, sempre tendo a acreditar que ninguém nasceu para permitir que o sofrimento seja uma lei. Se a posição de cada um de nós nessa fila escrota das complicações for muito ruim, ainda assim a gente precisa lutar para não viver sempre reabastecendo o repertório de lamentações. Sou do tipo que acredita no lance do espermatozóide, que já foi vitorioso de ter virado gente. E de ter conseguido um ingresso para essa fantástica experiência que é a vida. Louca e breve.

Sinto falta da presença dele, que já não era física, mas existia nos torpedos e ligações. Excluí tudo. Tenho um telefone novo agora. Tenho saudade. Mas não quero me entorpecer de porquês. Não hoje. Não mais.

Não.



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