até onde vai uma criança quando ela está só? este blog é o registro do caminho percorrido pela garota que resolveu crescer sem ficar chata, mas por horas ficou. sem ficar séria, mas às vezes emburrou. e sem ter receita, mas quase desejou um mapa. não tem pretensão, a não ser a de espontanear. é rabisco cultivando a memória. é alegria de ser. ou não. e ponto.
Olhei
rapidinho pela janela e me surpreendi com a noite que caiu. Sem que eu me desse
conta, escureceu. Engraçado como minha noção do tempo está completamente
bagunçada desde que iniciei o mestrado.
Não tenho mais hora de dormir e só de vez em quando tenho hora para acordar. Em dias de aula, diga-se. Às
vezes fico lendo, pesquisando, trocando idéias com amigos pela internet e
quando percebo são duas da manhã.
Tem
dias que acordo e estou realmente desperta, com a mente fresca, pronta para
mais uma ‘recarga’ de conhecimentos. Outrossim, me sinto cansada, como se não
tivesse repousado e como se um parágrafo qualquer fosse feito de pregos ou
espinhos. Café nenhum do mundo me desentorpece. Começo a ler e já estou
automaticamente cochilando. Estou em lonjuras, tal qual Alice, em busca de
minha missão.
E
enquanto isso no Castelo de Grayskull...
Na
próxima segunda-feira, eu e outras 4 ‘suzetes’, apelido sugestivo confeccionado
às defensoras do SUS em sala de aula, vamos defender o ponto de vista de que o
melhor para a saúde do Brasil seria estatizar tudo. SUS e mais nada! Engraçado
que a escolha dos componentes do grupo foi feita pela ordem da chamada, mas em
meu grupo ficaram as pessoas que mais têm inclinação para defender este ponto
de vista! E depois as pessoas duvidam que tudo no mundo é energia!
Daí
que pesquisando, encontrei essa cartilha do IDEC, cujo título já é para lá de
sugestivo: o SUS pode ser o melhor plano de saúde do Brasil. É uma publicação
de 2003, mas o conteúdo não perde sua validade. O texto, construído numa
linguagem simples e de fácil apreensão, compara o SUS aos planos privados de
saúde, analisa as dificuldades que o Brasil precisa enfrentar para aperfeiçoar
o Sistema, relembra as conquistas e dá uma série de dicas para que as pessoas
possam fazer valer os seus direitos.
Sei
que 99,9% das pessoas que vão ver este post terão preguiça de ler. Ou farão
como a Renata Pinheiro, que não sei quem é, mas que resolveu escrever em seu
blog a partir da primeira tabela apresentada na cartilha, discordando
veementemente dela e lamentando pelas pessoas que não podem pagar um plano de
saúde. É uma opção. A outra seria realmente ter um pouco de paciência e ir até
o final, até para saber o que fazer quando e sentir lesionado etc e tal.
Sábado
à noite e estou em casa, tomando cerveja e ouvindo Maria Bethânia. Cheguei a
pouco de um churrasco com os amigos do mestrado. Foi bem melhor que minhas
expectativas, talvez porque eu não tivesse tantas. Ontem já muito tarde, ao comentar com um amigo
antigo que já estava a fim de voltar da Lapa pra casa porque ia precisar
acordar cedo para fazer uma salada, prometida para o encontro de hoje, ele riu
e me disse assim: “To imaginando você fazendo uma saladinha para um churrasco
de mestrado! Tu já teve uma vida mais agitadinha, né”?
É,
eu tive. E todo mundo sabe que sou muito nostálgica, do tipo que conta as
histórias antigas como se elas valessem um Oscar. Quando consegui recuperar o
vídeo da festa que fizeram para mim quando vim embora de Teresina, mandei para
todos os amigos antigos como se aquilo fosse uma película hiper premiada, de
uma qualidade e raridade que jamais se acharia igual no mundo. Pra mim era. E
assim é com tudo: fotos, cartas, músicas... Com uma tonalidade mais para sépia,
o passado cresce e transcende em valor.
Mas
hoje, só por um dia, eu vivi o presente e foi incrível. Acordei cedo, liguei
para dar os parabéns à minha mãe, comprei o material, fiz a salada, peguei o
metrô, encontrei meus companheiros e fomos juntos eu, Wisley e Marcos de carona
com o professor André. O trajeto até a Barra da Tijuca foi agradabilíssimo,
coisa fina demais. Enquanto aquele cenário paradisíaco se descortinava em nossa
frente, eu fitava bem as imagens querendo guardá-las comigo, na ansiedade de
poder acioná-las quando me sentir triste ou zangada por estar longe de casa e com
todo meu referencial bagunçado.
Copacabana,
Lagoa Rodrigo de Freitas, pedra da Gávea, praia de São Conrado, homenagem
póstuma ao filho de Cissa Guimarães, Túnel Zuzu Angel... Cada paisagem
acompanhada de uma nova história ou de uma rememoração de figuras içadas de
minha memória e dos jornais passados. Os donos da casa, professor André e
Marcos, colando nesse álbum várias legendas, para deixar o fio condutor do dia
ainda mais curioso e cheio de sabor. É óbvio, mas é isso: essa cidade é linda
demais. D-E-M-A-I-S. É assustadoramente bela.
Daí
chegamos na Barra da Tijuca e nos enormes condomínios que fazem do bairro um
perfeito show de truman. A churrasqueira acesa, o casal bacana - Roberta e
Henrique – esperando, os mestrandos e suas famílias se encontrando e as boas
conversas já no forno, prestes a sair. Reencontros, vodkas, músicas, abraços,
sorrisos, presenças. Palavras raramente entrecortadas por minhas abstrações
típicas. Eu estava realmente ali, e queria beber o domingo numa taça onde se
lia ‘caipirinha’.
Conhecer
minimamente melhor cada uma das pessoas que agora dividem comigo o sonho do
mestrado, sirva ele para o que for.
E
então eu não subi na mesa, nem pulei de grupo na piscina. Mas e daí? Nem tudo é
rock e ainda assim a gente dança, rebola o quadril e agradece a Deus estar
vivo, estar consciente, ter tanta oportunidade e ter certeza de que muito
mistério ainda vai pintar por aqui.
Quando
me formei em jornalismo, meu pai não quis ir a minha festa de formatura. Estava
vivendo o início do processo de divórcio de minha mãe, e achou sabiamente que
não conseguiria fingir que estava tudo bem, enquanto levantávamos por dias
seguidos taças de ótimos uísques tão duramente financiados. Claro que entendi –
não naquela hora, mas depois -, só que ganhei um problema: quem me conduziria
ao centro do salão na noite do baile? Quem faria comigo o mais belo par da
noite mais sonhada de todas as outras noites da minha vida até então? Tenho
dois irmãos mais velhos, mas nenhum achava que estaria à altura de tal
representação.
No
entanto, usando de uma boa e firme chantagem emocional, empurrei bebida no meu
irmão do meio – o que sempre teve mais perfil para ser meu príncipe encantado –
e pedi a Deus que ele não me matasse de vergonha na hora que chamassem meu nome
para descer aqueles degraus. Respirei fundo e tentei representar o papel que há
muito vinha ensaiando. Agarrei com as duas mãos o corrimão da escada e desci
rebolando até o chão, querendo entorpecer a platéia para que, talvez, ela não
percebesse se algo desse errado no script.
Acontece
que não só meu irmão não me matou de vergonha como ele virou o astro da noite.
Quando levantei a cabeça e olhei para o outro extremo do salão, jurei estar
visualizando uma miragem: ele dançava não como se estivesse sob um paletó num
salão cheio de gente que ele jamais havia visto! Dançava como se tivesse nascido
para aquilo! E ainda pedia a participação da platéia com aplausos, que
boquiaberta reagia atônita àquela apresentação magnífica. Não só fiquei aliviada
e feliz como senti que alguma coisa fantástica tinha acontecido e rompido uma
tragédia que me espreitava. Junto a mim, todo o clube pareceu relaxar e deixar
a festa acontecer. Aqueles foram os 15 minutos de semiose infinita mais
incríveis que eu podia sonhar.
Outros
momentos inebriantes ocorreram em minha vida desde então, mesmo sem aquele
vestido rosa seco com faixa de cetim. Foram mágicos em diferentes contextos e
proporções, com restritos ou consideráveis holofotes.
O
dia da primeira apresentação do Portfólio foi assim. Estava ansiosa e com medo
de não ser aceita. Pior: sem um corrimão de escada na minha frente... Cidade
nova, pessoas novas, crises novas. E daquela vez eu definitivamente não tinha
para onde fugir ou a quem embebedar. Era chegar na frente e, como Billy Eliot,
dançar, até a sapatilha ecoar. Aquele também tinha o potencial de ser um
‘glorian day’. E foi. Ufa! Não por ser infalível ou indefectível. Mas porque
consegui passar uma mensagem bacana com as únicas ferramentas das quais
dispunha: o texto, a tela, a palavra e o coração. Sem padrinho no final do
salão.
Foi
tudo absolutamente sincero, acreditem vocês ou não.
No
entanto, hoje, eu não sei muito bem o que dizer. Não sei nem se gostaria de
estar aqui falando sobre coisas tão fragmentadas e aparentemente desconectadas.
Percebi
que não tenho mais apenas 15 minutos com os quais me preocupar, mas toda a
minha vida daqui pra frente, porque estar aqui vai, certamente, mudar todo o
meu destino. Isso me lembra o comercial do Fusion, o sedan de luxo da Ford.
Acho
que todos nós, em algum momento, nos fazemos essa pergunta. E se a minha
resposta estivesse aliada à satisfação pessoal de ter um carro de luxo, acho
que tudo seria mais fácil. Aliás, acho que nem seria jornalista, metida nessa
encrenca toda. Não estou fazendo esse curso apenas por satisfação pessoal que
vai se materializar num produto específico, seja ele de qual espécie for. O que
não me torna melhor ou pior que ninguém, apenas mais angustiada. Porque essa
certeza não é uma crítica, mas uma espécie de desespero, onde a satisfação
pessoal há muito recolheu a mão das minhas construções utópicas e altruístas.
Só para não me alcançar.
Além
do mais, o meu cálculo sobre o resultado da minha escolha de vir para o Rio e
sair da zona de conforto não me apontou nada aproximado ao que por hora
acontece. Não sei se estou procurando as referências certas ou se contribuo de
alguma maneira útil que seja às discussões que aqui acontecem. Para ser
sincera, não sei sequer se ainda quero responder a alguma das quatro perguntas
que fiz em meu projeto, ou se terei a capacidade de substituí-las por outras
caso seja necessário. Em minha arena interna, a única certeza é que tudo está
brigando. E não, isso não é confortável.
Termino
sempre todas as aulas com dezenas de novas perguntas, e às vezes nem a minha
cabeça grande comporta. Tentando eliminar os ruídos naturais desses processos
de construção, e encontrar alguma solidariedade pelo caminho, visualizo colegas
tão ou mais solitários, caminhando sempre para algum lugar por mim desconhecido,
exigidos pela pressa de partir. Alguns às vezes ficando um pouco mais,
dividindo uma santa carona ou uma valiosa mesa de bar, para alerta dos meus
alvoroçados anjos da guarda.
É fato que nem tudo é pedra no caminho. A sensação
de conhecer um texto novo e sentir total identificação com ele é de um valor
inalienável. Até não sentir também é, pois é nessa hora que se abre a porteira
da consciência para a crítica e para o saudável exercício diário de contra-argumentação.
Sempre com muito cuidado, pois mestrando não sabe e não acha nada, apenas
recorre a quem o saiba e entende que ‘há indícios’ para quase todas as coisas
do mundo. Bases bibliográficas, insígnea, Panacéia. Tantas coisas antes
desconhecidas e agora tão presentes no meu cotidiano...
Mas
no fim, o certo é que volto pra casa tentando não me desconcentrar ao repetir o
mantra: “Você vai conseguir - você vai conseguir - você vai conseguir. As
coisas, que não precisam de você, vão acontecer. E as que precisam também”. Quase
três meses se passaram e com eles duas gripes, quatro moradias, muitos textos,
ampla solidão.
Sei
que preciso cultivar com carinho minha paciência. Cuidar dela com todo zelo,
até que ela possa me dar frutos. Por que sabem onde eu quero estar daqui a
cinco anos? Não sei. Mas quero que seja em algum lugar onde eu continue
disposta como peça desta imensa engrenagem que faz o mundo se transformar.
Hoje
acordei sem vontade de levantar. A cabeça um pouco dolorida do vinho da noite
passada, a casa em absoluto silêncio, a chuva fina caindo pela janela e a
distância da minha mãe pesando 500 quilos sobre o peito. Esse dia das mães já
vinha avisando há uns dias que ia doer. Fiquei abrindo e fechando os olhos na
esperança de ter alguma idéia mirabolante que me desse um up! Não rolou. Virei
pro lado e os pensamentos foram tomando as formas mais estranhas, como figuras
franzinas em becos sem saída.
Mas
aí, de repente, comecei a pensar em como minha situação poderia ser pior do que
é. A tática de olhar pro fim da fila e ver que tem gente muito pior. Pensei em
várias pessoas que hoje não terão sequer para quem telefonar, por motivos
vários. Porque não têm boas relações com suas mães, porque nunca conheceram
suas mães, porque elas não estão mais entre nós... Também pensei nas mães que
não têm mais seus filhos, ou estão numa distância intransponível deles...
Então,
como se um anjo tivesse me dado a mão, eu pensei que não posso me sentir
triste. Ou, já que isso não se regula, concordei que precisava levantar e fazer
exatamente o que minha mãe gostaria que eu fizesse se estivéssemos juntas:
escovar os dentes, tomar um café coado no pano, escolher uma boa música e ficar
bem juntinha dela em pensamento, em sintonia, num exercício que flui entre nós
sem qualquer dificuldade. Não posso me sentir triste porque eu a tenho, porque
tivemos o mútuo privilégio desse encontro nessa vida.
Iéié,
que é minha mãe, mas às vezes é minha filha. Minha melhor amiga, minha
confidente, minha conselheira. Meu eixo, minha força, minha luz. Meu elefante
ou meu passarinho. Meu lugar.
A
saudade dói, mas hoje, que também é dia de Nossa Senhora de Fátima, vou
espremer gota a gota desse sentimento tenso, tirando dele apenas a certeza de
que sou a pessoa mais feliz do mundo por ser tão amada, por ter sido tão
esperada, e por ser tão protegida pela mãe mais perfeita que eu poderia ter no
universo!
Nossos
umbigos continuam amarrados. Apenas o cordão é invisível.
Uma hora que escorre. Já foi 18, já foi
18:07, já foi 18:30. O tempo urge e a página permanece limpa.
Atrasada,
ainda tento definir o impacto que a primeira atividade de Portfólio causou em
mim. Travo. Começo. Apago. Recomeço. O crime do silêncio me espreita, nada sai.
Aquele
foi um dia ímpar. Virou história. A história do dia que me pus nua, embora
vestida. Eu, que sempre fiquei boquiaberta com performances extravagantes,
percebo atônita que há várias maneiras de me despir. Deixar cortar, para
renascer de um ponto ainda indefinido e controverso. É possível ter coragem de
extravasar sem colocar nenhum sílio postiço. Hoje eu sei.
Ontem,
após dois meses de aula, reli meu objeto, minha carta de intenção escrita para
pleitear a vaga no Mestrado, e percebi duas coisas: a primeira é que deve ter
sido muito engraçado para os professores que fizeram a seleção receber aquelas
trezentas toneladas de angústias. Cada pergunta que lancei resultaria,
seguramente, numa dissertação. E foram mais de cinco! A segunda é que neste
caminho não tenho o benefício da bifurcação Seria ótimo poder escolher apenas
entre duas reentrâncias. Estou perdida sob o peso de circunscrever tanta dor.
Tanta coisa que pede minha atenção.
O
Portfólio é importante porque atenua uma solidão primeira, a que margeia as
horas de estar frente a frente com o que nos incomoda, com o que nos humaniza e
nos dá a consciência exata de nossas limitações. Ninguém faz pesquisa porque
tem certeza.
Criei
um blog com a finalidade de registrar essa jornada. A idéia, o texto e a busca
foram bem acolhidos pela turma e pelos professores. Os conselhos, as críticas e
os abraços foram a decodificação recebida de um grupo que, como eu, se dispôs a
mandar ao espaço as certezas.
Estamos
juntos, mesmo que estejamos olhando para diferentes direções.
Deixei
São Carlos num frio de rachar. Não sei se doía mais a baixa temperatura ou o
vento gelado que parecia cortar os vasos da face. Isso não me importava tanto.
O que me fez ficar acordada no ônibus já escuro, repetindo na memória os cinco
dias vividos na presença dos amigos, e chorar da saudade cedo anunciada, era o
amor vivo, ardendo no peito. Não falei quase nada porque esse amor, para mim,
não pede mais palavras. Voltei porque era isso que eu precisava fazer: retomar
o ponto de onde parti antes de revê-los e ter a certeza de que sempre estarão
comigo. Navegar é preciso.
Ouvi
as histórias de Patrícia, minha irmã meio mãe. Minha fada. Meu gnomo.
Conversamos sobre as dores que nasceram durante e após o Mestrado. Ela, que já
concluiu o caminho que só agora comecei, me assustou e rapidamente me curou do
susto, traduzindo o que Calvino talvez tenha intencionado dizer ao apontar o
‘preciso, íntimo e leve’ dos processos da vida. Ela é linda, agora com cabelos
verdes. Ela é sensível, coerente e a pessoa que, mesmo assustada, consegue ter
uma ética sem brecha. Sem rachadura. Não é justo que eu repita sempre a
responsabilidade que lhe dou em minha vida, mas revê-la me lembra sempre que é
possível ser melhor. Ser uma pessoa melhor a cada dia.
Vi
a relação dela com o Duba, o cara engraçado e meio rude, que tem frases prontas
e inteligentes para as situações exóticas da vida. Que é bonito cortando
pimentões para temperar o caranguejo congelado. Que cuida bem dela e a chama de
‘moça’, sem que isso nunca pareça ser um termo ultrapassado de uma banda que
amamos um dia. Todos. O companheiro que trabalha no hotel, enquanto não vê
outra alternativa, como segui-la num trailer México afora, ou enquanto não
consegue pagar as contas pelas modelagens em 3D, que eu sequer pensava que
existiam ou que eram feitas por pessoas como nós, mortais. Ele, que agora tem o
meu casaco vermelho de visita, e que eu gosto muito.
Lambi,
tossi e engoli pêlos do Dom. O cachorro que dá à casa de varanda e quintal o
detalhe que faltaria, se ele não estivesse ali. O cachorro que é filho, e às
vezes, em noites ébrias, é psicólogo também, ouvindo histórias que nós,
pessoas, cansamos de ouvir. Lembrei o porquê de eu sempre dizer: quero um
cachorro. Um cachorro que me queira também. Trouxe os pêlos comigo, para que eu
tenha tempo de repensar isso, enquanto ainda moro num lugar pequeno demais para
pensar em criar seres vivos, além da minha pimenteira.
Revi
o Marco Aurélio, tão lindo quanto sempre. Quanto quando o conheci. Tentei, na
perspectiva de que isso fosse útil, ouvir sobre as crises dele, sentindo
internamente que todas serão resolvidas. Todas essas, para que o espaço fique
livre para outras. Porque ele, testosterona pura, tem uma sensibilidade linda
de sentir. De ver. De quase tocar. Contraditório, como as coisas mais gostosas
da vida. Ouvi-lo é quase sempre como estar com um irmão mais novo, que a gente
ama e apenas quer dar a certeza de que vai estar perto, se ele quiser, embora
talvez não precise. Ele, que está crescendo rumo ao que não se mede. O dono do
charme do ‘ou não’, em cada piada recheada de aparente azar.
Conheci
Edson e Clarissa, com dois esses e a no final. Mais um casal lindo e nada
tradicional para a minha coleção de felicidades possíveis. Daquelas de ficar
observando e recriando em frases a se postar um dia, num texto sobre amor. Ele,
que só se pode ver rindo verdadeiramente depois de dias. Que odeia pêlos e pede
sempre que tirem as sandálias antes de entrar em seu quarto. Ele que fala
pouco. Que não quer ser engraçado, mas que me arrancou gargalhadas genuínas com
histórias simples e quase trágicas, não fossem absolutamente cômicas. Ela que é
bonita do jeito que veio ao mundo, sem lápis ou batom. Que morou na Irlanda e
curte funk. Que tem um riso de mostrar os dentes todos e uma conversa agradável
no superlativo: agradabilíssima.
Revi
Dário assim, para nem ter muito o que escrever. Porque se tivesse não seria
ele, mas outra pessoa a quem se tem acesso. Não seria ele, definitivamente.
E
daí que eu moraria naquela casa. Curtiria muito aquela mangueira no quintal,
até que o sofá restaurado rasgasse de vez, e não houvesse mais onde sentar com
as mãos guardadas nos bolsos, a se protegerem do frio. Veria aquela chuva cair
teto abaixo, pingando e pedindo paciência. Viveria com eles se lá coubessem
meus sonhos e as coisas que ainda não sei.