quarta-feira, 30 de maio de 2012

Des - cotidiano


Olhei rapidinho pela janela e me surpreendi com a noite que caiu. Sem que eu me desse conta, escureceu. Engraçado como minha noção do tempo está completamente bagunçada desde que iniciei o mestrado.  Não tenho mais hora de dormir e só de vez em quando tenho hora para acordar.  Em dias de aula, diga-se. Às vezes fico lendo, pesquisando, trocando idéias com amigos pela internet e quando percebo são duas da manhã.

Tem dias que acordo e estou realmente desperta, com a mente fresca, pronta para mais uma ‘recarga’ de conhecimentos. Outrossim, me sinto cansada, como se não tivesse repousado e como se um parágrafo qualquer fosse feito de pregos ou espinhos. Café nenhum do mundo me desentorpece. Começo a ler e já estou automaticamente cochilando. Estou em lonjuras, tal qual Alice, em busca de minha missão.

E enquanto isso no Castelo de Grayskull...

Na próxima segunda-feira, eu e outras 4 ‘suzetes’, apelido sugestivo confeccionado às defensoras do SUS em sala de aula, vamos defender o ponto de vista de que o melhor para a saúde do Brasil seria estatizar tudo. SUS e mais nada! Engraçado que a escolha dos componentes do grupo foi feita pela ordem da chamada, mas em meu grupo ficaram as pessoas que mais têm inclinação para defender este ponto de vista! E depois as pessoas duvidam que tudo no mundo é energia!

Daí que pesquisando, encontrei essa cartilha do IDEC, cujo título já é para lá de sugestivo: o SUS pode ser o melhor plano de saúde do Brasil. É uma publicação de 2003, mas o conteúdo não perde sua validade. O texto, construído numa linguagem simples e de fácil apreensão, compara o SUS aos planos privados de saúde, analisa as dificuldades que o Brasil precisa enfrentar para aperfeiçoar o Sistema, relembra as conquistas e dá uma série de dicas para que as pessoas possam fazer valer os seus direitos.

Sei que 99,9% das pessoas que vão ver este post terão preguiça de ler. Ou farão como a Renata Pinheiro, que não sei quem é, mas que resolveu escrever em seu blog a partir da primeira tabela apresentada na cartilha, discordando veementemente dela e lamentando pelas pessoas que não podem pagar um plano de saúde. É uma opção. A outra seria realmente ter um pouco de paciência e ir até o final, até para saber o que fazer quando e sentir lesionado etc e tal.

Fica a dica.

sábado, 26 de maio de 2012

Presente, de presente


Sábado à noite e estou em casa, tomando cerveja e ouvindo Maria Bethânia. Cheguei a pouco de um churrasco com os amigos do mestrado. Foi bem melhor que minhas expectativas, talvez porque eu não tivesse tantas.  Ontem já muito tarde, ao comentar com um amigo antigo que já estava a fim de voltar da Lapa pra casa porque ia precisar acordar cedo para fazer uma salada, prometida para o encontro de hoje, ele riu e me disse assim: “To imaginando você fazendo uma saladinha para um churrasco de mestrado! Tu já teve uma vida mais agitadinha, né”?

É, eu tive. E todo mundo sabe que sou muito nostálgica, do tipo que conta as histórias antigas como se elas valessem um Oscar. Quando consegui recuperar o vídeo da festa que fizeram para mim quando vim embora de Teresina, mandei para todos os amigos antigos como se aquilo fosse uma película hiper premiada, de uma qualidade e raridade que jamais se acharia igual no mundo. Pra mim era. E assim é com tudo: fotos, cartas, músicas... Com uma tonalidade mais para sépia, o passado cresce e transcende em valor.

Mas hoje, só por um dia, eu vivi o presente e foi incrível. Acordei cedo, liguei para dar os parabéns à minha mãe, comprei o material, fiz a salada, peguei o metrô, encontrei meus companheiros e fomos juntos eu, Wisley e Marcos de carona com o professor André. O trajeto até a Barra da Tijuca foi agradabilíssimo, coisa fina demais. Enquanto aquele cenário paradisíaco se descortinava em nossa frente, eu fitava bem as imagens querendo guardá-las comigo, na ansiedade de poder acioná-las quando me sentir triste ou zangada por estar longe de casa e com todo meu referencial bagunçado.

Copacabana, Lagoa Rodrigo de Freitas, pedra da Gávea, praia de São Conrado, homenagem póstuma ao filho de Cissa Guimarães, Túnel Zuzu Angel... Cada paisagem acompanhada de uma nova história ou de uma rememoração de figuras içadas de minha memória e dos jornais passados. Os donos da casa, professor André e Marcos, colando nesse álbum várias legendas, para deixar o fio condutor do dia ainda mais curioso e cheio de sabor. É óbvio, mas é isso: essa cidade é linda demais. D-E-M-A-I-S. É assustadoramente bela.

Daí chegamos na Barra da Tijuca e nos enormes condomínios que fazem do bairro um perfeito show de truman. A churrasqueira acesa, o casal bacana - Roberta e Henrique – esperando, os mestrandos e suas famílias se encontrando e as boas conversas já no forno, prestes a sair. Reencontros, vodkas, músicas, abraços, sorrisos, presenças. Palavras raramente entrecortadas por minhas abstrações típicas. Eu estava realmente ali, e queria beber o domingo numa taça onde se lia ‘caipirinha’.

Conhecer minimamente melhor cada uma das pessoas que agora dividem comigo o sonho do mestrado, sirva ele para o que for.

E então eu não subi na mesa, nem pulei de grupo na piscina. Mas e daí? Nem tudo é rock e ainda assim a gente dança, rebola o quadril e agradece a Deus estar vivo, estar consciente, ter tanta oportunidade e ter certeza de que muito mistério ainda vai pintar por aqui.

terça-feira, 22 de maio de 2012

E, de Entusiasmo


Quando me formei em jornalismo, meu pai não quis ir a minha festa de formatura. Estava vivendo o início do processo de divórcio de minha mãe, e achou sabiamente que não conseguiria fingir que estava tudo bem, enquanto levantávamos por dias seguidos taças de ótimos uísques tão duramente financiados. Claro que entendi – não naquela hora, mas depois -, só que ganhei um problema: quem me conduziria ao centro do salão na noite do baile? Quem faria comigo o mais belo par da noite mais sonhada de todas as outras noites da minha vida até então? Tenho dois irmãos mais velhos, mas nenhum achava que estaria à altura de tal representação.

No entanto, usando de uma boa e firme chantagem emocional, empurrei bebida no meu irmão do meio – o que sempre teve mais perfil para ser meu príncipe encantado – e pedi a Deus que ele não me matasse de vergonha na hora que chamassem meu nome para descer aqueles degraus. Respirei fundo e tentei representar o papel que há muito vinha ensaiando. Agarrei com as duas mãos o corrimão da escada e desci rebolando até o chão, querendo entorpecer a platéia para que, talvez, ela não percebesse se algo desse errado no script.

Acontece que não só meu irmão não me matou de vergonha como ele virou o astro da noite. Quando levantei a cabeça e olhei para o outro extremo do salão, jurei estar visualizando uma miragem: ele dançava não como se estivesse sob um paletó num salão cheio de gente que ele jamais havia visto! Dançava como se tivesse nascido para aquilo! E ainda pedia a participação da platéia com aplausos, que boquiaberta reagia atônita àquela apresentação magnífica. Não só fiquei aliviada e feliz como senti que alguma coisa fantástica tinha acontecido e rompido uma tragédia que me espreitava. Junto a mim, todo o clube pareceu relaxar e deixar a festa acontecer. Aqueles foram os 15 minutos de semiose infinita mais incríveis que eu podia sonhar.

Outros momentos inebriantes ocorreram em minha vida desde então, mesmo sem aquele vestido rosa seco com faixa de cetim. Foram mágicos em diferentes contextos e proporções, com restritos ou consideráveis holofotes.

O dia da primeira apresentação do Portfólio foi assim. Estava ansiosa e com medo de não ser aceita. Pior: sem um corrimão de escada na minha frente... Cidade nova, pessoas novas, crises novas. E daquela vez eu definitivamente não tinha para onde fugir ou a quem embebedar. Era chegar na frente e, como Billy Eliot, dançar, até a sapatilha ecoar. Aquele também tinha o potencial de ser um ‘glorian day’. E foi. Ufa! Não por ser infalível ou indefectível. Mas porque consegui passar uma mensagem bacana com as únicas ferramentas das quais dispunha: o texto, a tela, a palavra e o coração. Sem padrinho no final do salão.

Foi tudo absolutamente sincero, acreditem vocês ou não.

No entanto, hoje, eu não sei muito bem o que dizer. Não sei nem se gostaria de estar aqui falando sobre coisas tão fragmentadas e aparentemente desconectadas.

Percebi que não tenho mais apenas 15 minutos com os quais me preocupar, mas toda a minha vida daqui pra frente, porque estar aqui vai, certamente, mudar todo o meu destino. Isso me lembra o comercial do Fusion, o sedan de luxo da Ford.




Acho que todos nós, em algum momento, nos fazemos essa pergunta. E se a minha resposta estivesse aliada à satisfação pessoal de ter um carro de luxo, acho que tudo seria mais fácil. Aliás, acho que nem seria jornalista, metida nessa encrenca toda. Não estou fazendo esse curso apenas por satisfação pessoal que vai se materializar num produto específico, seja ele de qual espécie for. O que não me torna melhor ou pior que ninguém, apenas mais angustiada. Porque essa certeza não é uma crítica, mas uma espécie de desespero, onde a satisfação pessoal há muito recolheu a mão das minhas construções utópicas e altruístas. Só para não me alcançar.

Além do mais, o meu cálculo sobre o resultado da minha escolha de vir para o Rio e sair da zona de conforto não me apontou nada aproximado ao que por hora acontece. Não sei se estou procurando as referências certas ou se contribuo de alguma maneira útil que seja às discussões que aqui acontecem. Para ser sincera, não sei sequer se ainda quero responder a alguma das quatro perguntas que fiz em meu projeto, ou se terei a capacidade de substituí-las por outras caso seja necessário. Em minha arena interna, a única certeza é que tudo está brigando. E não, isso não é confortável.

Termino sempre todas as aulas com dezenas de novas perguntas, e às vezes nem a minha cabeça grande comporta. Tentando eliminar os ruídos naturais desses processos de construção, e encontrar alguma solidariedade pelo caminho, visualizo colegas tão ou mais solitários, caminhando sempre para algum lugar por mim desconhecido, exigidos pela pressa de partir. Alguns às vezes ficando um pouco mais, dividindo uma santa carona ou uma valiosa mesa de bar, para alerta dos meus alvoroçados anjos da guarda.

É fato que nem tudo é pedra no caminho. A sensação de conhecer um texto novo e sentir total identificação com ele é de um valor inalienável. Até não sentir também é, pois é nessa hora que se abre a porteira da consciência para a crítica e para o saudável exercício diário de contra-argumentação. Sempre com muito cuidado, pois mestrando não sabe e não acha nada, apenas recorre a quem o saiba e entende que ‘há indícios’ para quase todas as coisas do mundo. Bases bibliográficas, insígnea, Panacéia. Tantas coisas antes desconhecidas e agora tão presentes no meu cotidiano...

Mas no fim, o certo é que volto pra casa tentando não me desconcentrar ao repetir o mantra: “Você vai conseguir - você vai conseguir - você vai conseguir. As coisas, que não precisam de você, vão acontecer. E as que precisam também”. Quase três meses se passaram e com eles duas gripes, quatro moradias, muitos textos, ampla solidão.

Sei que preciso cultivar com carinho minha paciência. Cuidar dela com todo zelo, até que ela possa me dar frutos. Por que sabem onde eu quero estar daqui a cinco anos? Não sei. Mas quero que seja em algum lugar onde eu continue disposta como peça desta imensa engrenagem que faz o mundo se transformar.


domingo, 13 de maio de 2012

Meu lugar


Hoje acordei sem vontade de levantar. A cabeça um pouco dolorida do vinho da noite passada, a casa em absoluto silêncio, a chuva fina caindo pela janela e a distância da minha mãe pesando 500 quilos sobre o peito. Esse dia das mães já vinha avisando há uns dias que ia doer. Fiquei abrindo e fechando os olhos na esperança de ter alguma idéia mirabolante que me desse um up! Não rolou. Virei pro lado e os pensamentos foram tomando as formas mais estranhas, como figuras franzinas em becos sem saída.

Mas aí, de repente, comecei a pensar em como minha situação poderia ser pior do que é. A tática de olhar pro fim da fila e ver que tem gente muito pior. Pensei em várias pessoas que hoje não terão sequer para quem telefonar, por motivos vários. Porque não têm boas relações com suas mães, porque nunca conheceram suas mães, porque elas não estão mais entre nós... Também pensei nas mães que não têm mais seus filhos, ou estão numa distância intransponível deles...

Então, como se um anjo tivesse me dado a mão, eu pensei que não posso me sentir triste. Ou, já que isso não se regula, concordei que precisava levantar e fazer exatamente o que minha mãe gostaria que eu fizesse se estivéssemos juntas: escovar os dentes, tomar um café coado no pano, escolher uma boa música e ficar bem juntinha dela em pensamento, em sintonia, num exercício que flui entre nós sem qualquer dificuldade. Não posso me sentir triste porque eu a tenho, porque tivemos o mútuo privilégio desse encontro nessa vida.

Iéié, que é minha mãe, mas às vezes é minha filha. Minha melhor amiga, minha confidente, minha conselheira. Meu eixo, minha força, minha luz. Meu elefante ou meu passarinho. Meu lugar.

A saudade dói, mas hoje, que também é dia de Nossa Senhora de Fátima, vou espremer gota a gota desse sentimento tenso, tirando dele apenas a certeza de que sou a pessoa mais feliz do mundo por ser tão amada, por ter sido tão esperada, e por ser tão protegida pela mãe mais perfeita que eu poderia ter no universo!

Nossos umbigos continuam amarrados. Apenas o cordão é invisível.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

A hora genuína em que a coisa deu um nó


Uma hora que escorre. Já foi 18, já foi 18:07, já foi 18:30. O tempo urge e a página permanece limpa.

Atrasada, ainda tento definir o impacto que a primeira atividade de Portfólio causou em mim. Travo. Começo. Apago. Recomeço. O crime do silêncio me espreita, nada sai.

Aquele foi um dia ímpar. Virou história. A história do dia que me pus nua, embora vestida. Eu, que sempre fiquei boquiaberta com performances extravagantes, percebo atônita que há várias maneiras de me despir. Deixar cortar, para renascer de um ponto ainda indefinido e controverso. É possível ter coragem de extravasar sem colocar nenhum sílio postiço. Hoje eu sei.

Ontem, após dois meses de aula, reli meu objeto, minha carta de intenção escrita para pleitear a vaga no Mestrado, e percebi duas coisas: a primeira é que deve ter sido muito engraçado para os professores que fizeram a seleção receber aquelas trezentas toneladas de angústias. Cada pergunta que lancei resultaria, seguramente, numa dissertação. E foram mais de cinco! A segunda é que neste caminho não tenho o benefício da bifurcação Seria ótimo poder escolher apenas entre duas reentrâncias. Estou perdida sob o peso de circunscrever tanta dor. Tanta coisa que pede minha atenção.

O Portfólio é importante porque atenua uma solidão primeira, a que margeia as horas de estar frente a frente com o que nos incomoda, com o que nos humaniza e nos dá a consciência exata de nossas limitações. Ninguém faz pesquisa porque tem certeza.

Criei um blog com a finalidade de registrar essa jornada. A idéia, o texto e a busca foram bem acolhidos pela turma e pelos professores. Os conselhos, as críticas e os abraços foram a decodificação recebida de um grupo que, como eu, se dispôs a mandar ao espaço as certezas.

Estamos juntos, mesmo que estejamos olhando para diferentes direções.




quarta-feira, 2 de maio de 2012

Amor e mais nada


Deixei São Carlos num frio de rachar. Não sei se doía mais a baixa temperatura ou o vento gelado que parecia cortar os vasos da face. Isso não me importava tanto. O que me fez ficar acordada no ônibus já escuro, repetindo na memória os cinco dias vividos na presença dos amigos, e chorar da saudade cedo anunciada, era o amor vivo, ardendo no peito. Não falei quase nada porque esse amor, para mim, não pede mais palavras. Voltei porque era isso que eu precisava fazer: retomar o ponto de onde parti antes de revê-los e ter a certeza de que sempre estarão comigo. Navegar é preciso.

Ouvi as histórias de Patrícia, minha irmã meio mãe. Minha fada. Meu gnomo. Conversamos sobre as dores que nasceram durante e após o Mestrado. Ela, que já concluiu o caminho que só agora comecei, me assustou e rapidamente me curou do susto, traduzindo o que Calvino talvez tenha intencionado dizer ao apontar o ‘preciso, íntimo e leve’ dos processos da vida. Ela é linda, agora com cabelos verdes. Ela é sensível, coerente e a pessoa que, mesmo assustada, consegue ter uma ética sem brecha. Sem rachadura. Não é justo que eu repita sempre a responsabilidade que lhe dou em minha vida, mas revê-la me lembra sempre que é possível ser melhor. Ser uma pessoa melhor a cada dia.

Vi a relação dela com o Duba, o cara engraçado e meio rude, que tem frases prontas e inteligentes para as situações exóticas da vida. Que é bonito cortando pimentões para temperar o caranguejo congelado. Que cuida bem dela e a chama de ‘moça’, sem que isso nunca pareça ser um termo ultrapassado de uma banda que amamos um dia. Todos. O companheiro que trabalha no hotel, enquanto não vê outra alternativa, como segui-la num trailer México afora, ou enquanto não consegue pagar as contas pelas modelagens em 3D, que eu sequer pensava que existiam ou que eram feitas por pessoas como nós, mortais. Ele, que agora tem o meu casaco vermelho de visita, e que eu gosto muito.

Lambi, tossi e engoli pêlos do Dom. O cachorro que dá à casa de varanda e quintal o detalhe que faltaria, se ele não estivesse ali. O cachorro que é filho, e às vezes, em noites ébrias, é psicólogo também, ouvindo histórias que nós, pessoas, cansamos de ouvir. Lembrei o porquê de eu sempre dizer: quero um cachorro. Um cachorro que me queira também. Trouxe os pêlos comigo, para que eu tenha tempo de repensar isso, enquanto ainda moro num lugar pequeno demais para pensar em criar seres vivos, além da minha pimenteira.

Revi o Marco Aurélio, tão lindo quanto sempre. Quanto quando o conheci. Tentei, na perspectiva de que isso fosse útil, ouvir sobre as crises dele, sentindo internamente que todas serão resolvidas. Todas essas, para que o espaço fique livre para outras. Porque ele, testosterona pura, tem uma sensibilidade linda de sentir. De ver. De quase tocar. Contraditório, como as coisas mais gostosas da vida. Ouvi-lo é quase sempre como estar com um irmão mais novo, que a gente ama e apenas quer dar a certeza de que vai estar perto, se ele quiser, embora talvez não precise. Ele, que está crescendo rumo ao que não se mede. O dono do charme do ‘ou não’, em cada piada recheada de aparente azar.

Conheci Edson e Clarissa, com dois esses e a no final. Mais um casal lindo e nada tradicional para a minha coleção de felicidades possíveis. Daquelas de ficar observando e recriando em frases a se postar um dia, num texto sobre amor. Ele, que só se pode ver rindo verdadeiramente depois de dias. Que odeia pêlos e pede sempre que tirem as sandálias antes de entrar em seu quarto. Ele que fala pouco. Que não quer ser engraçado, mas que me arrancou gargalhadas genuínas com histórias simples e quase trágicas, não fossem absolutamente cômicas. Ela que é bonita do jeito que veio ao mundo, sem lápis ou batom. Que morou na Irlanda e curte funk. Que tem um riso de mostrar os dentes todos e uma conversa agradável no superlativo: agradabilíssima.

Revi Dário assim, para nem ter muito o que escrever. Porque se tivesse não seria ele, mas outra pessoa a quem se tem acesso. Não seria ele, definitivamente.

E daí que eu moraria naquela casa. Curtiria muito aquela mangueira no quintal, até que o sofá restaurado rasgasse de vez, e não houvesse mais onde sentar com as mãos guardadas nos bolsos, a se protegerem do frio. Veria aquela chuva cair teto abaixo, pingando e pedindo paciência. Viveria com eles se lá coubessem meus sonhos e as coisas que ainda não sei.

Volto de coração farto.

Coisa louca é amar.