segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Mais positivo que mil divãs



Neste Natal não vou fazer uma lista de pedidos. As promessas para 2013, embora tentada a fazer o contrário, também vou dispensar. Tampouco ficarei com o discurso ‘ah, foi tudo lindo porque tive saúde e minha família está bem’. É fato que tive saúde, a não ser pelas várias gripes me avisando o tempo inteiro que alguma coisa no meu sistema imunológico recusava se adequar tão fácil a uma cidade antiga e cheia de pombos. E é fato também que minha família está bem, segue firme, apesar dos pesares. Graças a Deus. Minha mãe, embora mais triste no começo, se tornou a pessoa mais forte do mundo sem poder contar comigo sempre. E até aprendi a telefonar mais para o meu pai, tanto por vontade quanto por compartilhar da mesma sensação de solidão que ele carrega, e isso ter se tornado para nós um código.

Mas não foi tudo lindo, porque a vida é sempre essa mistura de cheiros e vísceras, e isso nem sempre é leve. A verdade é que alguma coisa mudou em mim em 2012. Mentira, algumas. Muitas. E isso me obriga a deixar esse ano ir com a certeza de que nem 2013, nem 2014, nem 2040 – se o mundo não acabar, óbvio – poderão se resumir a retrospectivas e listas felizes com tópicos coloridos de neon. 

Viver sempre foi uma experiência complexa pra mim. Porque eu faço desjejum com pastel e caldo de cana em feira de rua, sem lavar as mãos depois de descer do ônibus, e acho cabelo cacheado com cheiro de xampu a coisa mais pós-moderna do mundo, mas sempre penso demais. Sinto demais. Onero o gasto que já existe em simplesmente estar vivo, respirando, com o peso das minhas inquietações. E eu realmente passei a ter mais medo de uns tempos pra cá, o que me fazia acreditar que eu não sairia de casa de novo tão cedo. Deixar Teresina já tinha sido dolorido demais para uma pessoa que demora a equalizar razão e emoção. Só que saí. 

E aí que o Rio me virou às avessas. Testou meus limites. Os físicos mesmo. Meus pés doem tantas correrias acumuladas. Não foi fácil perseguir com afinco o 497, o 498, ou esticar as caminhadas rumo à estação mais próxima de metrô. Leia-se: depois de cinco anos andando somente de carro. Procurar endereços novos, organizar minimamente meu GPS interno que já nasceu desconfigurado. Arrumar mala, desarrumar mala. Coluna também reclama à beça. Achar apartamento, mobiliar, errar os tamanhos e modelos das coisas. Devolver, acertar. Não emagreci porque depois dos 25 anos, todo mundo sabe, é difícil. É, tô velha. Pilates, quem sabe? Ah tá, sem promessas... Mas vivi feliz o enorme desapego de compreender que tênis é o melhor sapato que existe. Troquei o dia pela noite, perdi noção de tempo quando parei de ter que cumprir horário de expediente padrão. Percebi com tristeza que beber agora dá ressaca. E que recusar convites é, às vezes, estratégia de sobrevivência. 

Li, e li, e li, e aprendi tanta coisa nova que maravilhei nossa imensa capacidade de esticar o cérebro sem prejuízos. A não ser os morais, quando o que a gente aprende nos estapeia a cara e nos faz pensar que tudo o que a gente sonhou que daria certo já foi comprovadamente testado e excluído das experiências de sucesso dos cientistas e estudiosos em geral. Mas esses choques são por vezes necessários, para que a gente mude de rumo e tente outras estratégias para continuar tendo fé. Reconstruí meu objeto de estudo diversas vezes, e precisei conviver com ele a ponto de sentir algum amor, e conseguir defende-lo das inúmeras especulações do tipo ‘estudar isso é mesmo necessário?’. As minhas, inclusive e principalmente. Pra mim, hoje, é. E foi gente à beça nessa jornada: autores, quase-autores, professores. A moça que faz o pão na chapa na Fiocruz e os meus porteiros nordestinos antipáticos. Até mendigo porra-louca teve suas vezes de guru! 

Conheci quilos de pessoas, classifiquei na minha rede social uma penca de gente como ‘conhecido’ e tive o imenso prazer de reclassificar para ‘amigo’ e até ‘melhor amigo’ também. Estes, poucos. Mas indispensáveis para me manter de pé, quando eu tive que reaprender também que é o dia-a-dia que faz nossa presença presente. E que não estar perto é, quase sempre, um atestado para não ser lembrado. E para a gente esquecer também, claro. E assim esqueci aniversários de amigos antigos, me vi esquecida em datas antes nossas e memoráveis, não pude estar sempre com amores que cuidei tanto de regar até virarem plantas fortes. Vi isso doer. Escamar. Tal útero nosso, que se desmancha todo quando não fecundado. Cuidei de não perder o juízo por isso.

Amei o Rio. Odiei o Rio. Aprendi a dar uma explicação razoável para cada pessoa que me achou mais carioca a cada dia, e que passou a ter mais vontade de conhecer essa cidade a partir de minhas narrativas. E a explicação era mais ou menos assim: tô ótima/o Rio é lindo/amo cada vez mais minha cidade, meu torrão natal/venha você mesmo e veja como é. Até construí uma teoria sobre os cariocas, mas isso fica para um outro escrito, num outro final de ano, quem sabe. Mas foi tanta paisagem, foi tanta folia, foi tanta zona norte e zona sul... Foi balanço de trem, foi banho gelado de mar. Samba de Escola e de mesa de bar. Feira de fruta, feira de artesanato, feira de tudo. Cerveja. Ah, cerveja! Baratas e caras, latas e garrafas. Beijei menos do que minha imagem de Rio alimentava e fiz muito menos sexo do que em toda a minha vida, em todos os lugares onde morei. Inaugurei uma nova perspectiva de ser, composta de todas essas ausências e de todos esses exageros. E pela primeira vez na vida olhei para o futuro com uma vontade de que ele seja menos enigmático. Com a impressão de que ter algum plano talvez seja útil. Nem que seja uma poupança para conhecer a Índia.

Aí estou aqui, agora. Com o primeiro ano de mestrado quase encerrado. Mil dúvidas na cabeça, muito cansaço e uma vontade imensa de ir pra casa de férias outra vez. O apartamento está uma bagunça, mas agora ele é muito, muito mais colorido do que quando cheguei. Graças ao meu irmão, aos meses antes e, especialmente, aos três meses últimos em que moramos juntos e fomos donos de uma caixa de lápis de cor imaginária gigante, que saiu dando vida a tudo ao nosso redor. Paredes e pessoas. Tenho um mural de fotos dos seres mais queridos aos quais dou bom dia e boa noite, e é curioso ver que essa coleção de imagens cresceu. E mudou também. Cada canto da casinha lembra as pessoas que recebi, os presentes que elas deixaram, os cafés que dividimos entre conversas e cochilos. As minhas queridas amigas mineiras, que ganharam durante o ano cama e banho em troca de bom papo, de boa companhia... e de alguns drinques também.

Olho para a mala vazia por arrumar e no fim, do ano e desse texto, percebo que uma certeza sobreviveu a essa enxurrada de experiências: a de que a vida é, e sempre vai ser, o que a gente faz dela. Óbvio? Siiiiiimmmmmm! Trivial? Que seja. Aprendi há tempos que é no que já está dado que mora o perigo, e que é preciso muita competência para cultivar o hábito diário de confiar no que a gente sabe ser o caminho, e seguir.

Baile funk, cerveja no Barurca, vista do mirante do Leblon, banho de cachoeira na floresta da tijuca... Carnavaaaaalllll!! 2013, seu lindo, já pode chegar e dar espaço a tudo isso que ainda preciso viver no Rio! E muito mais.

Feliz ano para você que, como eu, não faz a menor ideia do que ele será... Mas e daí? Ele será. E isso basta.


domingo, 7 de outubro de 2012

Nada deve parecer impossível de mudar


Triste estou eu. Pela derrota do Freixo no Rio.

Ele está ótimo. Feliz da vida? Não. Realizado? Claro que não. Sem dúvida, não. Só que Marcelo Freixo é um líder, e como tal, não se deixará abater tão fácil. E eu só tive certeza disso porque fui lá, na Lapa, ouvi-lo falar. E voltei com um alento: essa história apenas começou.

Não tinha palanque, e mal tinha um microfone. No centro de um enorme círculo feito de gente como eu e você, que eventualmente me lê agora – e não de extraterrestres vindos de um planeta distante-, ele falou coisas que, para mim, fazem absoluto sentido. Pediu que não se desmobilizem os mais de cem comitês formados na campanha, e que se transformem em espaços para se discutir a cidade que se quer viver. E não a cidade que querem nos empurrar goela abaixo. Porque sempre querem. E muita gente ainda acha que política não nos diz respeito.

Pois se não diz, deveria dizer. Poderia dizer. ‘Nada deve parecer impossível de mudar’.

Agradeceu a todos que se envolveram de uma maneira ou de outra, que militaram, que aguentaram o tranco de uma campanha desestruturada e descapitalizada. E melhor: sem deixar parecer que era assim! E narrou com muita graça o dia em que resolveu aceitar o desafio de se candidatar a prefeito do Rio e foi comunicar isso ao seu xará, Marcelo Yuka.  Convidado a ser vice, Yuka demorou ‘segundos eternos’ a responder, e por fim decretou: ‘Eu já imaginava que você era maluco. Agora eu tenho certeza’.

Maluco, sem grana, e cheio de sonhos e de dados muito concretos sobre uma cidade que se torna cada dia mais vitrine de turista, e que empurra a sua sujeira e a sua pobreza para a mais moderna e pujante periferia, só que às escuras. Sem metrô, sem saneamento, sem saúde.  Cidade bronzeada e de sorriso falso, tal qual seu prefeito, tal qual Eduardo Paes.

Eu não sou carioca, e já disse isso outras vezes aqui. Meus conterrâneos talvez nem me entendam. Mas eu só escrevo isso hoje porque tive o privilégio de viver essa campanha nesta cidade que agora é minha sim – por que não? – já que todo mundo é, no fim das contas, cidadão do mundo. De um mundo cuja lógica econômica, cultural, estrutural, clama por mudanças. Um mundo que está capenga de coletividade e de cidadania. E foi isso que Marcelo Freixo propôs, com a sua tão repetida expressão: parceria com a sociedade civil. E que cada pessoa que também passou a se chamar ‘Freixo’ nas redes sociais sonhou junto.

E sabe do que mais? Se apesar de tanto vento contrário, essa semente conseguiu achar um solo onde pousar, eu corrijo: não estou triste. Não poderia. Isso tudo foi, como Freixo disse, extraordinário.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Pássaros, pessoas


A aula que corre é sobre uma pesquisa de Clima e Tempo. A sala está cheia. Com exceção da Janice e da Mônica, acho que todo mundo veio. Obviamente não estou muito ligada no assunto, ou não estaria escrevendo agora meu texto de Portfólio, embora aqui e acolá escute termos como ‘indicadores’, ‘mapeamento’, ‘saneamento’, ‘encrenca’. Dados oficiais.

Minha dispersão está um tanto relacionada ao temor que estou sentindo deste segundo semestre. Quando fiz minha inscrição em junho, imaginei que daria conta de cinco disciplinas sem perder todos os cabelos da cabeça, até porque uma delas é esta, o Portfólio. Tranquilo.

Mas hoje penso que juntar Kátia Lerner, Carlos Estellita e Valdir de Castro em um único semestre pode não ter sido uma boa idéia. É muita competência e muita exigência juntos. História da Ciência, Filosofia, Narrativas, Memórias, Doenças, Mídias, Mediações. Midiatização. Seminários, bibliografia em inglês, espanhol, francês. Zonza. Pausa.

Então se a aula não colar, lá vou eu tentar pelo menos terminar alguma coisa pra amanhã ou depois de amanhã. Não é desleixo, é medo mesmo, de não dar conta de tudo.

Amanhã também começo meu estágio no Laces...

Olhem bem pra mim e saberão se foi bom ou ruim.

Aliás, contei a vocês que sou orientanda da Kátia Lerner? Estamos começando agora a discutir nosso projeto. Ao que me parece, ainda vamos analisar o discurso construído pela mídia impressa de Fortaleza sobre o SUS. E já iniciei pagando mico. Ao começar a indicar minhas leituras, ela perguntou assim: ‘Você já leu o que é o SUS?’ E eu, vaidosa, respondi: ‘Umas trezentas vezes, professora’. E ela: ‘Então tá. Não vou te fazer ler 301’. Depois me ocorreu que a pergunta era simples demais e retrocedi: ‘Professora, ‘O que é o SUS’ é um livro’? E ela: ‘Sim, claro’. Vai fazer título bobo assim lá em casa, né? Foi o que eu pensei. Porque o que eu disse mesmo foi: ‘Desculpa professora, imaginei que a pergunta fosse se eu tinha leituras sobre o que é o SUS, assim, de um modo geral’.

Bibliografias a parte por agora, estou feliz de ser orientanda dela. É como se eu voltasse a um movimento de disciplina do qual havia saído desde que concluí a Universidade. Naquela época, tive uma orientadora tão complicada, mas tão complicada, que quando apresentei minha monografia eu só pensava que nunca mais queria saber de uma pesquisa na vida! Na Especialização, paguei pelos meus desejos e arrumei uma professora que marcava comigo na casa dela e não aparecia! Imaginem vocês: na casa dela e ela ainda conseguia sumir! Eu ficava sentada na calçada, esperando, até ela chegar com as desculpas mais esfarrapadas do mundo. Enfim, tenho muita fé na firmeza da Kátia. Acho que vai ser bem produtivo.

Voltando ao hoje, olho ao redor e acho graça no que vejo. Somos os mesmos alunos, mas parecemos tão diferentes! Tão mais... adultos. Cada rosto se esforça por esconder uma ansiedade que grita. Penso sobre o pouco de cada um que já conheço, e deste pouco, o quanto chegou a mim sem qualquer esforço o quanto eu tive que cavar com a teimosa persistência de quem não gosta de viver só. E por não gostar, eu corro atrás das pessoas. Às vezes ocorre delas correrem de mim, mas faz parte. Quantas eu empalideci com confissões, quantas eu decepcionei com silêncios... Quantas acabaram se tornando referências tão diferentes das que eu acreditava, com meus parcos conhecimentos astrológicos e psicológicos. Enfim, pessoas.

Aliás, tenho aprendido que o Rio me pede uma coisa que nunca consegui dar. Ou nunca tentei. Essa coisa é um olhar para a cidade, além de olhar para as pessoas. Às vezes saio para resolver alguma coisa dessas bem práticas, tipo comprar arroz ou fita adesiva, e sento um pouco nas milhões de praças espalhadas por aqui. Nesses momentos, minha única função é observar. E que luxo poder fazer isso! Árvores antigas, pombos se reproduzindo sem qualquer controle, flores de todas as cores. Velhos de todos os tipos, dos que cospem no chão e dos que arrastam seus carrinhos de compra com uma dignidade alentadora! Crianças perversas, barulhentas, e bebês que nem se precisa chegar perto para saber que cheiram à lavanda johnson. Ouço risadas, conversas aleatórias, e me pergunto sempre que espécie de cidade pode cultivar e fazer envelhecer tipos tão diversos de moradores!

Sinto a forma como se usa a cidade e também como se abusa dela. No Aterro do Flamengo, aonde vou quase todos os domingos possíveis, para fotografar ou não, eu penso em como seria bom se Fortaleza tivesse uma avenida inteira fechada só para as pessoas. Para que corram, andem, pedalem, ou façam nada, como eu. Escuto os pedidos de desculpa durante os esbarrões e vejo que aqui se constituiu uma espécie de civilidade que não vejo muito em minha cidade, infelizmente. Uma civilidade um tanto cheia de chiliques às vezes, é certo, mas uma forma de tanta gente por metro quadrado não se esfolar por um pouco de sol.

Continuo sem namorado, mas tenho tentando ser legal comigo mesma. Copiei a fórmula da minha amiga Carolina e sempre que fico bonitona, arrumadona e cheia de mim, olho no espelho e digo assim: ‘Olha só meu amor, você que também está me procurando e ainda não encontrou, estou indo agora pra Lapa, tá? Se quiser, você também pode ir pra lá’. Daí quando chego à porta e penso no que falei, às vezes volto e complemento: ‘Mas entenda que você não pode me encher o saco, porque meu tempo é curto e minha tarefa aqui é árdua’. Acho que nessa parte o meu amor se assusta e desiste de ir atrás de mim.

No mais, só o aconchego do lar. Vazio ou cheio de visitas. Lar-albergue-lar. E na falta da canja de minha mãe, alguma novela e um macio lençol, encaixadinho no cangote, esperando o sono chegar e levar o cansaço de quem tenta. O cansaço de quem tem conseguido só ser. Feliz, triste, medrosa, teimosa. Ser.


sábado, 18 de agosto de 2012

Mi-mi-mi


Bula: Se você lida muito bem com a contemporaneidade e não se considera uma pessoa com muitas questões, não prossiga a leitura. Pra você, isso não vai passar de muito mi-mi-mi.

Mesa de bar. Pessoas novas pra mim. Velhas queixas universais. De repente uma das presentes pergunta à amiga dela, sentada à sua frente: 'dá pra eu tirar uma cartinha só, por favor'?! Ao que amiga responde: 'claro, deve'. De acordo com a descrição da pedinte, minha expressão facial, desta que vos escreve, se transformou. Fiquei absurdamente interessada e quase sentei no colo da amiga, que tirava da bolsa suas cartas de Tarô! Realmente devia se fazer um estudo cruzando mulheres x Tarô x interesse. O resultado seria qualquer coisa exagerada, absurda e desproporcional.

Por uma cerveja e por piedade da minha condição suplicante, a amiga me deixou tirar três cartas. Antes eu deveria fazer uma pergunta, e confesso que essa foi a parte mais difícil. Ando tão cheia de dúvidas que foi dureza manter um foco. Perguntei então sobre o que mais tem me incomodado recentemente: essa minha relação com a solidão. Com o fato nada abstrato de estar só, nesta espécie de exílio que eu não procurei, mas que talvez fosse – antes dos 30 – realmente necessário.

A resposta foi estranha. As cartas, coitadas, se espremeram pra me dizer alguma coisa e tudo o que saiu foi: ‘seja quem for a pessoa, desista. Cuide de você. Não se exponha tanto. Essa expectativa não vai te fazer bem. Coisas melhores virão’. Silêncio na mesa. A amiga, talvez interessada na combinação das cartas, me disse ao guardar o baralho: se quiser, marca depois, pra gente ver isso com mais calma.

Apesar dos ruídos, consigo fazer uma relação mínima entre o que disseram as cartas, confusas com o barulho do bar, e aquela tarde de quarta-feira, há quase dois anos, quando resolvi consultar o japonês místico que estava a fazer sucesso em Fortaleza, utilizando cartas, pêndulos, combinações de números importantes das vidas das pessoas. Naquele dia ouvi que minha chegada aos 30 seria uma jornada dura, pois a vida me exigia decisões que eu não estava tendo consciência e coragem de tomar. Mas que eu teria que fazê-lo e que isso seria uma jornada particular e solitária. Nem namorado haveria para me ajudar!

Hahaha. Foi uma orientação ou uma praga?

Talvez alguns de vocês que vão ler este post não acreditem em nada disso. E até achem muito óbvia a constatação de que a chegada aos 30 é um período diferente de tomada de decisão, de entrada definitiva na vida adulta. Hora de amarrar realmente os cadarços e correr atrás do que vamos querer ver realizado para os próximos 20, 30, 40 anos...

Mas alguma coisa naquelas cartas consolou meu fluxo de lamentações. Não estou lidando bem com este período de reclusão. Com esta cidade que eu não entendo. Com estes 29 anos. Ando tão instável que até cheguei a achar que a coisa mais importante que eu devia aprender agora era a jogar sinuca, pra ver se isso me ajudava a ser mais sociável e ‘aceita’. É tão adolescente isso! Será que eu estou sofrendo mesmo é uma adolescência tardia, de uma espécie de complexo de Peter Pan? Será que a garota nota 10 enfim entrou em crise e resolveu enfiar os pés pelas mãos?

Recentemente conversando com uma amiga de infância, senti um grande alívio quando ela disse: ‘Ai, amiga, eu pensava que quando chegasse aos 30 anos seria uma pessoa totalmente diferente. Saberia de tudo! Mas vejo que quanto mais o tempo passa, menos eu sei sobre a vida, as pessoas’. Ufa! Não estou só, graças aos deuses, anjos e santos do mundo. E saber sobre a vida e as pessoas, honestamente, tem me parecido um desafio muito maior do que consigo suportar. Se eu conseguir, passada essa jornada, saber qualquer coisa a mais sobre mim, já será de bom tamanho.

Até lá é sustentar o conselho, que estou inclusive furando ao escrever este post: me cuidar, não me expor tanto e acreditar que muita coisa boa ainda há de chegar pra mim.

Amém.


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Ao hoje, ao sempre


Se segura que lá vem história! Hahaha. Hora de tirar a poeira do blog. De procurar de novo o fio da pipa-mestrado que soltei quando o semestre acabou! Ah, eu estava cansada demais! Tão enjoada, tão irritada, que só não causei prejuízos ao apartamento e a mim porque meu pai estava aqui comigo, e me salvou de possíveis demonstrações de insanidade. Calma, não sou suicida! Só a mais impaciente das criaturas sobre a Terra, e foi difícil ser anfitriã dele numa cidade de onde eu queria ir embora correndo, o mais rápido possível.

Não, o Rio não é um lugar ruim. Minha casa tranquila e cheia de cantos de pássaros, tampouco. O que eu não gosto é desta aparente imposição de felicidade que reside na afirmação ‘eu moro no Rio de Janeiro’. Como se o fato da cidade ser linda e cheia de alegrias possíveis anulasse completamente o lado sombrio da vida e de mim. Sim, eu estou aqui e este ‘eu’ tem milhões de coisas com as quais lidar que não desaparecem mirando o Cristo Redentor. Podem dar um tempo, mas retornam, e muitas vezes com uma força demolidora. 

Mas cumpri minhas tarefas, me impus o exercício de viver as alegrias possíveis na presença do Zé, fechei o primeiro ciclo e fui pra casa. Estava tão ansiosa que era capaz de esquecer meu pai no aeroporto, se ele não tivesse tão grudadinho em mim! Haha. E algumas horas depois, no dia 3 de julho, lá estava ele, meu apartamento-casa, com a porta aberta pela minha mãe! Tão linda de camisa verde-limão! E tudo parecia pulsar em 3D! As samambaias da varanda, os tacos do chão da sala, os quadros e suas projeções de flores, dançarinos e jardins. Meu quarto e os mais de 500 vinis! Meu palhaço de pano na cabeceira da cama e os ruídos de automóvel da janela com cortinas.

É que a gente só se dá conta da quantidade de energia que põe nas nossas coisas quando nos afastamos delas! E mesmo que eu admire as pessoas desapegadas, os cidadãos do mundo, os andarilhos e mochileiros, acho que a coisa mais positiva que me aconteceu nos últimos anos foi perceber que eu não sou assim. Sou planta de raiz e não sei se algum dia conseguirei ser diferente. E essa raiz inclui, além da família, a casa, os amigos, os lugares certos para fazer qualquer coisa. Quer ver? Existe sorvete melhor que o do Juarez? Por enquanto não. Existe depilação mais perfeita que a de Cleide? Jamais. E céu mais lindo que o de Teresina? Pas. Então por que haveria lugar melhor que o meu lar? 

E foi um mês lindo! Afinal estar de férias é, especialmente, estar num outro estado de espírito. Desconfio de pessoas que tiram férias e não param de checar os e-mails, como se justamente naquele mês tão anunciado nas suas próprias redes sociais elas fossem receber um mega prêmio inadiável, em dinheiro ou em pílulas de sucesso e juventude eterna! Férias são férias e eu realmente as levo a sério. Me abandono sem culpa, porque não basta abandonar computador e celular. Minha rotina, minhas manias, meus sintomas. Todo dia é belo, mesmo se nele a gente reencontra, numa caixa abandonada do armário, uma foto dum ex que nos fez sofrer pra caralho ou um bilhete de alguém que não lembra mais de você. Tudo é lucro.

A velha guarda me deu suas bênçãos. Família, família, família. Minha mãe estando em tudo, seguindo meu rastro, espreitando meu tempo, cuidando do meu baú de faltas. Avó, tia, primas. Meu pai e minha mãezinha de criação. Minha afilhada. Tudo que veio antes de eu estar aqui, e que continua no meu depois, num tempo sem data e farto de amor.

Virei outra vez uma das meninas super poderosas do antigo trabalho, com poderes de sair para almoçar e esquecer a hora de voltar pro trampo. Tive a honra e a glória de poder estar com a loirinha no samba, na batucada, no ziriguidum, no bem de Jor ou da Cachorra. De viver com a pequena o arrastar de uma última segunda-feira sem trabalho, com latidos, lambidas e risadas. De comer crepe, de ver fotos e de descobrir que ainda preciso ir à Argentina, e não apenas em Buenos Aires. De chegar mais de 10 da noite na casa do meu chocolatim, e ainda ter o abraço dela, a mãe dela e a torta de pavê da casa dela esperando só a minha presença! Conheci a casinha nova da preta, de sofá reciclado e azulejos nas paredes com mensagens de amor. E o amor dela, que fala português de Portugal, e já sabe preparar tapiocas recheadas de queijo e, às vezes, manjericão. 

As amigas ainda mais antigas. As de colégio e esfirras, de biscoito de chocolate no recreio e diários ultrassecretos em domingos, trancadas em nossos quartos. Ah, mas continuam lindas! E as que já deram crias. Crianças que já vieram e me espantaram completamente, porque tomaram na minha ausência uma pílula de crescer, e com as quais seria capaz de conversar horas, com minha vocação petit prince, sobre jiboias que engolem elefantes. E as que ainda estão por vir. Na barrigona, no chá com cheiro de boas vindas!

Os ex-amores e as novas histórias que não puderam florescer... Mas isso fica prum outro post, num outro dia qualquer.

O que eu queria realmente era reabrir essa casinha. Este espaço que não pode ficar muito tempo sem mim e todas as minhas gratidões. Ao que aprendo, ao que desaprendo. Ao que aceito e ao que rejeito. A todos que seguem comigo e que me saciam a bruta necessidade de ser amor. À vida. À jornada. 

Jornada de piá.  




quarta-feira, 30 de maio de 2012

Des - cotidiano


Olhei rapidinho pela janela e me surpreendi com a noite que caiu. Sem que eu me desse conta, escureceu. Engraçado como minha noção do tempo está completamente bagunçada desde que iniciei o mestrado.  Não tenho mais hora de dormir e só de vez em quando tenho hora para acordar.  Em dias de aula, diga-se. Às vezes fico lendo, pesquisando, trocando idéias com amigos pela internet e quando percebo são duas da manhã.

Tem dias que acordo e estou realmente desperta, com a mente fresca, pronta para mais uma ‘recarga’ de conhecimentos. Outrossim, me sinto cansada, como se não tivesse repousado e como se um parágrafo qualquer fosse feito de pregos ou espinhos. Café nenhum do mundo me desentorpece. Começo a ler e já estou automaticamente cochilando. Estou em lonjuras, tal qual Alice, em busca de minha missão.

E enquanto isso no Castelo de Grayskull...

Na próxima segunda-feira, eu e outras 4 ‘suzetes’, apelido sugestivo confeccionado às defensoras do SUS em sala de aula, vamos defender o ponto de vista de que o melhor para a saúde do Brasil seria estatizar tudo. SUS e mais nada! Engraçado que a escolha dos componentes do grupo foi feita pela ordem da chamada, mas em meu grupo ficaram as pessoas que mais têm inclinação para defender este ponto de vista! E depois as pessoas duvidam que tudo no mundo é energia!

Daí que pesquisando, encontrei essa cartilha do IDEC, cujo título já é para lá de sugestivo: o SUS pode ser o melhor plano de saúde do Brasil. É uma publicação de 2003, mas o conteúdo não perde sua validade. O texto, construído numa linguagem simples e de fácil apreensão, compara o SUS aos planos privados de saúde, analisa as dificuldades que o Brasil precisa enfrentar para aperfeiçoar o Sistema, relembra as conquistas e dá uma série de dicas para que as pessoas possam fazer valer os seus direitos.

Sei que 99,9% das pessoas que vão ver este post terão preguiça de ler. Ou farão como a Renata Pinheiro, que não sei quem é, mas que resolveu escrever em seu blog a partir da primeira tabela apresentada na cartilha, discordando veementemente dela e lamentando pelas pessoas que não podem pagar um plano de saúde. É uma opção. A outra seria realmente ter um pouco de paciência e ir até o final, até para saber o que fazer quando e sentir lesionado etc e tal.

Fica a dica.

sábado, 26 de maio de 2012

Presente, de presente


Sábado à noite e estou em casa, tomando cerveja e ouvindo Maria Bethânia. Cheguei a pouco de um churrasco com os amigos do mestrado. Foi bem melhor que minhas expectativas, talvez porque eu não tivesse tantas.  Ontem já muito tarde, ao comentar com um amigo antigo que já estava a fim de voltar da Lapa pra casa porque ia precisar acordar cedo para fazer uma salada, prometida para o encontro de hoje, ele riu e me disse assim: “To imaginando você fazendo uma saladinha para um churrasco de mestrado! Tu já teve uma vida mais agitadinha, né”?

É, eu tive. E todo mundo sabe que sou muito nostálgica, do tipo que conta as histórias antigas como se elas valessem um Oscar. Quando consegui recuperar o vídeo da festa que fizeram para mim quando vim embora de Teresina, mandei para todos os amigos antigos como se aquilo fosse uma película hiper premiada, de uma qualidade e raridade que jamais se acharia igual no mundo. Pra mim era. E assim é com tudo: fotos, cartas, músicas... Com uma tonalidade mais para sépia, o passado cresce e transcende em valor.

Mas hoje, só por um dia, eu vivi o presente e foi incrível. Acordei cedo, liguei para dar os parabéns à minha mãe, comprei o material, fiz a salada, peguei o metrô, encontrei meus companheiros e fomos juntos eu, Wisley e Marcos de carona com o professor André. O trajeto até a Barra da Tijuca foi agradabilíssimo, coisa fina demais. Enquanto aquele cenário paradisíaco se descortinava em nossa frente, eu fitava bem as imagens querendo guardá-las comigo, na ansiedade de poder acioná-las quando me sentir triste ou zangada por estar longe de casa e com todo meu referencial bagunçado.

Copacabana, Lagoa Rodrigo de Freitas, pedra da Gávea, praia de São Conrado, homenagem póstuma ao filho de Cissa Guimarães, Túnel Zuzu Angel... Cada paisagem acompanhada de uma nova história ou de uma rememoração de figuras içadas de minha memória e dos jornais passados. Os donos da casa, professor André e Marcos, colando nesse álbum várias legendas, para deixar o fio condutor do dia ainda mais curioso e cheio de sabor. É óbvio, mas é isso: essa cidade é linda demais. D-E-M-A-I-S. É assustadoramente bela.

Daí chegamos na Barra da Tijuca e nos enormes condomínios que fazem do bairro um perfeito show de truman. A churrasqueira acesa, o casal bacana - Roberta e Henrique – esperando, os mestrandos e suas famílias se encontrando e as boas conversas já no forno, prestes a sair. Reencontros, vodkas, músicas, abraços, sorrisos, presenças. Palavras raramente entrecortadas por minhas abstrações típicas. Eu estava realmente ali, e queria beber o domingo numa taça onde se lia ‘caipirinha’.

Conhecer minimamente melhor cada uma das pessoas que agora dividem comigo o sonho do mestrado, sirva ele para o que for.

E então eu não subi na mesa, nem pulei de grupo na piscina. Mas e daí? Nem tudo é rock e ainda assim a gente dança, rebola o quadril e agradece a Deus estar vivo, estar consciente, ter tanta oportunidade e ter certeza de que muito mistério ainda vai pintar por aqui.

terça-feira, 22 de maio de 2012

E, de Entusiasmo


Quando me formei em jornalismo, meu pai não quis ir a minha festa de formatura. Estava vivendo o início do processo de divórcio de minha mãe, e achou sabiamente que não conseguiria fingir que estava tudo bem, enquanto levantávamos por dias seguidos taças de ótimos uísques tão duramente financiados. Claro que entendi – não naquela hora, mas depois -, só que ganhei um problema: quem me conduziria ao centro do salão na noite do baile? Quem faria comigo o mais belo par da noite mais sonhada de todas as outras noites da minha vida até então? Tenho dois irmãos mais velhos, mas nenhum achava que estaria à altura de tal representação.

No entanto, usando de uma boa e firme chantagem emocional, empurrei bebida no meu irmão do meio – o que sempre teve mais perfil para ser meu príncipe encantado – e pedi a Deus que ele não me matasse de vergonha na hora que chamassem meu nome para descer aqueles degraus. Respirei fundo e tentei representar o papel que há muito vinha ensaiando. Agarrei com as duas mãos o corrimão da escada e desci rebolando até o chão, querendo entorpecer a platéia para que, talvez, ela não percebesse se algo desse errado no script.

Acontece que não só meu irmão não me matou de vergonha como ele virou o astro da noite. Quando levantei a cabeça e olhei para o outro extremo do salão, jurei estar visualizando uma miragem: ele dançava não como se estivesse sob um paletó num salão cheio de gente que ele jamais havia visto! Dançava como se tivesse nascido para aquilo! E ainda pedia a participação da platéia com aplausos, que boquiaberta reagia atônita àquela apresentação magnífica. Não só fiquei aliviada e feliz como senti que alguma coisa fantástica tinha acontecido e rompido uma tragédia que me espreitava. Junto a mim, todo o clube pareceu relaxar e deixar a festa acontecer. Aqueles foram os 15 minutos de semiose infinita mais incríveis que eu podia sonhar.

Outros momentos inebriantes ocorreram em minha vida desde então, mesmo sem aquele vestido rosa seco com faixa de cetim. Foram mágicos em diferentes contextos e proporções, com restritos ou consideráveis holofotes.

O dia da primeira apresentação do Portfólio foi assim. Estava ansiosa e com medo de não ser aceita. Pior: sem um corrimão de escada na minha frente... Cidade nova, pessoas novas, crises novas. E daquela vez eu definitivamente não tinha para onde fugir ou a quem embebedar. Era chegar na frente e, como Billy Eliot, dançar, até a sapatilha ecoar. Aquele também tinha o potencial de ser um ‘glorian day’. E foi. Ufa! Não por ser infalível ou indefectível. Mas porque consegui passar uma mensagem bacana com as únicas ferramentas das quais dispunha: o texto, a tela, a palavra e o coração. Sem padrinho no final do salão.

Foi tudo absolutamente sincero, acreditem vocês ou não.

No entanto, hoje, eu não sei muito bem o que dizer. Não sei nem se gostaria de estar aqui falando sobre coisas tão fragmentadas e aparentemente desconectadas.

Percebi que não tenho mais apenas 15 minutos com os quais me preocupar, mas toda a minha vida daqui pra frente, porque estar aqui vai, certamente, mudar todo o meu destino. Isso me lembra o comercial do Fusion, o sedan de luxo da Ford.




Acho que todos nós, em algum momento, nos fazemos essa pergunta. E se a minha resposta estivesse aliada à satisfação pessoal de ter um carro de luxo, acho que tudo seria mais fácil. Aliás, acho que nem seria jornalista, metida nessa encrenca toda. Não estou fazendo esse curso apenas por satisfação pessoal que vai se materializar num produto específico, seja ele de qual espécie for. O que não me torna melhor ou pior que ninguém, apenas mais angustiada. Porque essa certeza não é uma crítica, mas uma espécie de desespero, onde a satisfação pessoal há muito recolheu a mão das minhas construções utópicas e altruístas. Só para não me alcançar.

Além do mais, o meu cálculo sobre o resultado da minha escolha de vir para o Rio e sair da zona de conforto não me apontou nada aproximado ao que por hora acontece. Não sei se estou procurando as referências certas ou se contribuo de alguma maneira útil que seja às discussões que aqui acontecem. Para ser sincera, não sei sequer se ainda quero responder a alguma das quatro perguntas que fiz em meu projeto, ou se terei a capacidade de substituí-las por outras caso seja necessário. Em minha arena interna, a única certeza é que tudo está brigando. E não, isso não é confortável.

Termino sempre todas as aulas com dezenas de novas perguntas, e às vezes nem a minha cabeça grande comporta. Tentando eliminar os ruídos naturais desses processos de construção, e encontrar alguma solidariedade pelo caminho, visualizo colegas tão ou mais solitários, caminhando sempre para algum lugar por mim desconhecido, exigidos pela pressa de partir. Alguns às vezes ficando um pouco mais, dividindo uma santa carona ou uma valiosa mesa de bar, para alerta dos meus alvoroçados anjos da guarda.

É fato que nem tudo é pedra no caminho. A sensação de conhecer um texto novo e sentir total identificação com ele é de um valor inalienável. Até não sentir também é, pois é nessa hora que se abre a porteira da consciência para a crítica e para o saudável exercício diário de contra-argumentação. Sempre com muito cuidado, pois mestrando não sabe e não acha nada, apenas recorre a quem o saiba e entende que ‘há indícios’ para quase todas as coisas do mundo. Bases bibliográficas, insígnea, Panacéia. Tantas coisas antes desconhecidas e agora tão presentes no meu cotidiano...

Mas no fim, o certo é que volto pra casa tentando não me desconcentrar ao repetir o mantra: “Você vai conseguir - você vai conseguir - você vai conseguir. As coisas, que não precisam de você, vão acontecer. E as que precisam também”. Quase três meses se passaram e com eles duas gripes, quatro moradias, muitos textos, ampla solidão.

Sei que preciso cultivar com carinho minha paciência. Cuidar dela com todo zelo, até que ela possa me dar frutos. Por que sabem onde eu quero estar daqui a cinco anos? Não sei. Mas quero que seja em algum lugar onde eu continue disposta como peça desta imensa engrenagem que faz o mundo se transformar.


domingo, 13 de maio de 2012

Meu lugar


Hoje acordei sem vontade de levantar. A cabeça um pouco dolorida do vinho da noite passada, a casa em absoluto silêncio, a chuva fina caindo pela janela e a distância da minha mãe pesando 500 quilos sobre o peito. Esse dia das mães já vinha avisando há uns dias que ia doer. Fiquei abrindo e fechando os olhos na esperança de ter alguma idéia mirabolante que me desse um up! Não rolou. Virei pro lado e os pensamentos foram tomando as formas mais estranhas, como figuras franzinas em becos sem saída.

Mas aí, de repente, comecei a pensar em como minha situação poderia ser pior do que é. A tática de olhar pro fim da fila e ver que tem gente muito pior. Pensei em várias pessoas que hoje não terão sequer para quem telefonar, por motivos vários. Porque não têm boas relações com suas mães, porque nunca conheceram suas mães, porque elas não estão mais entre nós... Também pensei nas mães que não têm mais seus filhos, ou estão numa distância intransponível deles...

Então, como se um anjo tivesse me dado a mão, eu pensei que não posso me sentir triste. Ou, já que isso não se regula, concordei que precisava levantar e fazer exatamente o que minha mãe gostaria que eu fizesse se estivéssemos juntas: escovar os dentes, tomar um café coado no pano, escolher uma boa música e ficar bem juntinha dela em pensamento, em sintonia, num exercício que flui entre nós sem qualquer dificuldade. Não posso me sentir triste porque eu a tenho, porque tivemos o mútuo privilégio desse encontro nessa vida.

Iéié, que é minha mãe, mas às vezes é minha filha. Minha melhor amiga, minha confidente, minha conselheira. Meu eixo, minha força, minha luz. Meu elefante ou meu passarinho. Meu lugar.

A saudade dói, mas hoje, que também é dia de Nossa Senhora de Fátima, vou espremer gota a gota desse sentimento tenso, tirando dele apenas a certeza de que sou a pessoa mais feliz do mundo por ser tão amada, por ter sido tão esperada, e por ser tão protegida pela mãe mais perfeita que eu poderia ter no universo!

Nossos umbigos continuam amarrados. Apenas o cordão é invisível.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

A hora genuína em que a coisa deu um nó


Uma hora que escorre. Já foi 18, já foi 18:07, já foi 18:30. O tempo urge e a página permanece limpa.

Atrasada, ainda tento definir o impacto que a primeira atividade de Portfólio causou em mim. Travo. Começo. Apago. Recomeço. O crime do silêncio me espreita, nada sai.

Aquele foi um dia ímpar. Virou história. A história do dia que me pus nua, embora vestida. Eu, que sempre fiquei boquiaberta com performances extravagantes, percebo atônita que há várias maneiras de me despir. Deixar cortar, para renascer de um ponto ainda indefinido e controverso. É possível ter coragem de extravasar sem colocar nenhum sílio postiço. Hoje eu sei.

Ontem, após dois meses de aula, reli meu objeto, minha carta de intenção escrita para pleitear a vaga no Mestrado, e percebi duas coisas: a primeira é que deve ter sido muito engraçado para os professores que fizeram a seleção receber aquelas trezentas toneladas de angústias. Cada pergunta que lancei resultaria, seguramente, numa dissertação. E foram mais de cinco! A segunda é que neste caminho não tenho o benefício da bifurcação Seria ótimo poder escolher apenas entre duas reentrâncias. Estou perdida sob o peso de circunscrever tanta dor. Tanta coisa que pede minha atenção.

O Portfólio é importante porque atenua uma solidão primeira, a que margeia as horas de estar frente a frente com o que nos incomoda, com o que nos humaniza e nos dá a consciência exata de nossas limitações. Ninguém faz pesquisa porque tem certeza.

Criei um blog com a finalidade de registrar essa jornada. A idéia, o texto e a busca foram bem acolhidos pela turma e pelos professores. Os conselhos, as críticas e os abraços foram a decodificação recebida de um grupo que, como eu, se dispôs a mandar ao espaço as certezas.

Estamos juntos, mesmo que estejamos olhando para diferentes direções.




quarta-feira, 2 de maio de 2012

Amor e mais nada


Deixei São Carlos num frio de rachar. Não sei se doía mais a baixa temperatura ou o vento gelado que parecia cortar os vasos da face. Isso não me importava tanto. O que me fez ficar acordada no ônibus já escuro, repetindo na memória os cinco dias vividos na presença dos amigos, e chorar da saudade cedo anunciada, era o amor vivo, ardendo no peito. Não falei quase nada porque esse amor, para mim, não pede mais palavras. Voltei porque era isso que eu precisava fazer: retomar o ponto de onde parti antes de revê-los e ter a certeza de que sempre estarão comigo. Navegar é preciso.

Ouvi as histórias de Patrícia, minha irmã meio mãe. Minha fada. Meu gnomo. Conversamos sobre as dores que nasceram durante e após o Mestrado. Ela, que já concluiu o caminho que só agora comecei, me assustou e rapidamente me curou do susto, traduzindo o que Calvino talvez tenha intencionado dizer ao apontar o ‘preciso, íntimo e leve’ dos processos da vida. Ela é linda, agora com cabelos verdes. Ela é sensível, coerente e a pessoa que, mesmo assustada, consegue ter uma ética sem brecha. Sem rachadura. Não é justo que eu repita sempre a responsabilidade que lhe dou em minha vida, mas revê-la me lembra sempre que é possível ser melhor. Ser uma pessoa melhor a cada dia.

Vi a relação dela com o Duba, o cara engraçado e meio rude, que tem frases prontas e inteligentes para as situações exóticas da vida. Que é bonito cortando pimentões para temperar o caranguejo congelado. Que cuida bem dela e a chama de ‘moça’, sem que isso nunca pareça ser um termo ultrapassado de uma banda que amamos um dia. Todos. O companheiro que trabalha no hotel, enquanto não vê outra alternativa, como segui-la num trailer México afora, ou enquanto não consegue pagar as contas pelas modelagens em 3D, que eu sequer pensava que existiam ou que eram feitas por pessoas como nós, mortais. Ele, que agora tem o meu casaco vermelho de visita, e que eu gosto muito.

Lambi, tossi e engoli pêlos do Dom. O cachorro que dá à casa de varanda e quintal o detalhe que faltaria, se ele não estivesse ali. O cachorro que é filho, e às vezes, em noites ébrias, é psicólogo também, ouvindo histórias que nós, pessoas, cansamos de ouvir. Lembrei o porquê de eu sempre dizer: quero um cachorro. Um cachorro que me queira também. Trouxe os pêlos comigo, para que eu tenha tempo de repensar isso, enquanto ainda moro num lugar pequeno demais para pensar em criar seres vivos, além da minha pimenteira.

Revi o Marco Aurélio, tão lindo quanto sempre. Quanto quando o conheci. Tentei, na perspectiva de que isso fosse útil, ouvir sobre as crises dele, sentindo internamente que todas serão resolvidas. Todas essas, para que o espaço fique livre para outras. Porque ele, testosterona pura, tem uma sensibilidade linda de sentir. De ver. De quase tocar. Contraditório, como as coisas mais gostosas da vida. Ouvi-lo é quase sempre como estar com um irmão mais novo, que a gente ama e apenas quer dar a certeza de que vai estar perto, se ele quiser, embora talvez não precise. Ele, que está crescendo rumo ao que não se mede. O dono do charme do ‘ou não’, em cada piada recheada de aparente azar.

Conheci Edson e Clarissa, com dois esses e a no final. Mais um casal lindo e nada tradicional para a minha coleção de felicidades possíveis. Daquelas de ficar observando e recriando em frases a se postar um dia, num texto sobre amor. Ele, que só se pode ver rindo verdadeiramente depois de dias. Que odeia pêlos e pede sempre que tirem as sandálias antes de entrar em seu quarto. Ele que fala pouco. Que não quer ser engraçado, mas que me arrancou gargalhadas genuínas com histórias simples e quase trágicas, não fossem absolutamente cômicas. Ela que é bonita do jeito que veio ao mundo, sem lápis ou batom. Que morou na Irlanda e curte funk. Que tem um riso de mostrar os dentes todos e uma conversa agradável no superlativo: agradabilíssima.

Revi Dário assim, para nem ter muito o que escrever. Porque se tivesse não seria ele, mas outra pessoa a quem se tem acesso. Não seria ele, definitivamente.

E daí que eu moraria naquela casa. Curtiria muito aquela mangueira no quintal, até que o sofá restaurado rasgasse de vez, e não houvesse mais onde sentar com as mãos guardadas nos bolsos, a se protegerem do frio. Veria aquela chuva cair teto abaixo, pingando e pedindo paciência. Viveria com eles se lá coubessem meus sonhos e as coisas que ainda não sei.

Volto de coração farto.

Coisa louca é amar.










quarta-feira, 18 de abril de 2012

Abrigo de piá


Hoje não vou escrever muito. Vou deixar que as imagens falem da imensa alegria que sinto por ter conseguido organizar minha casinha, que já é a coisa mais linda do mundo! Estou muito feliz e tudo em mim é gratidão. Pela família linda que tenho, e que me possibilitou isso. E por ter tido coragem de apostar que daria certo. Não foi fácil. Mas, it´s mine!













terça-feira, 17 de abril de 2012

O pra sempre, sempre acaba


Voltei pela primeira vez para casa depois de iniciar o Mestrado. Um mês e 14 dias depois. Falando assim parece pouco tempo, mas este é apenas mais um exemplo do quanto essa entidade impassível pode ser relativa e metafórica. Aconteceu tanta coisa neste período que eu já me senti envelhecer por anos. Todos os anos em que pensei estar inerte se jogaram ladeira abaixo nesses dias de intenso aprendizado. Tenho mais cabelos brancos agora. E mais paciência também.

E isso é outra coisa engraçada, porque pensando bem os últimos seis anos não foram nada fáceis. Voltei em 2005 de Teresina com um diploma na mão e mil sonhos na cabeça. Encontrei uma família desgastada pela necessidade premente do divórcio dos meus pais que tardava em acontecer, numa casa já pequena demais para tantas diferenças, apesar dos mais de 200 metros quadrados de área construída. Assumi os cuidados com meu avô, e fui a primeira a receber o diagnóstico de seu câncer de intestino em estado avançado. Também fui a primeira a perceber que a vovó estava surtando sob a incapacidade de lidar com aquele quadro e sugeri que ela fosse morar em Baturité com minha mãe, enquanto eu ficava em Fortaleza acompanhando o tratamento do vovô.

O divórcio saiu debaixo de muito desentendimento. Vovô faleceu 19 dias após a cirurgia de retirada do tumor. E passei a administrar a vinda de minha mãe com minha avó para Fortaleza, onde nos juntamos todos (elas, eu e meu irmão mais velho) para tocar o barco adiante, por tormentosas marés nunca antes navegadas. Eu tinha me tornado adulta, e só percebi quando passei a cuidar com paciência e amor dos dias que separavam a falta de diálogo dos meus pais com a descoberta de ambos da possibilidade do nascimento de um outro tipo de amor, chamado amizade.

Vencemos o apartamento alugado e sem conforto. Vencemos a compra do primeiro carro. Vencemos a procura do novo apartamento, desta vez para comprar. Vencemos a sua reforma e a última mudança. Venci o fim de um namoro longo, que eu pensava que se tornaria casamento.

Minha avó faleceu em maio de 2011 e demorei meses para me perdoar por não ter podido estar ao lado de minha mãe nos instantes finais de sua vida. Em Brasília, viajando a trabalho, só pude desejar força e controlar o desespero até conseguir tomar o próximo vôo.

E quando eu pensei que me daria por satisfeita em poder respirar um pouco, resolvi investir em mim depois desses anos vivendo muito mais como neta, filha e irmã, e tentei em outubro a seleção do Mestrado. Pedi ajuda de um amigo querido e ex-professor e fiz o que pude da forma mais coerente possível. Deu certo: projeto, prova e entrevista. Juntar coragem para deixar a paz tão duramente conquistada da minha casa. A casa mais linda do mundo!

Um mês e 16 dias no Rio e a certeza de que nunca estamos prontos. Nunca. De que não é possível, apesar de tudo o que se amadurece, voltar pra casa e não sentir o coração apertado e a vontade imensa de ficar onde sempre existirá colo, sopa no jantar e planta na varanda.  

Meu sobrenome é saudade. 



sexta-feira, 13 de abril de 2012

Todo ser humano pode ser um anjo



Não se preocupe, você está autorizado a sorrir no decorrer desse texto. Porque ele é do tipo que seria trágico, se não fosse cômico.

Quando encontrei meu apartamento no catete, tive imediatamente que tomar uma decisão: viver confortavelmente sozinha, mas com o dinheiro mais apertado ainda, ou rejeitar esse achado e permanecer no quarto alugado em Santa Tereza até achar algo que eu pudesse pagar com mais folga e agüentar mais um pouco a falta de privacidade. Para ilustrar melhor, preciso dizer que este apartamento é perto do metrô e dele tomaria apenas um ônibus para a Fiocruz, e ainda moraria perto do Zé, e de um bom lugar para onde correr quando fosse preciso. E se fosse.

Decidi ficar e confiar no futuro. Pensei: ah, se apertar e a coisa ficar preta, arrumo alguma coisa para fazer ou alguém para dividir. E vim linda e exausta receber as chaves e mudar minhas malas de lugar. Quarta moradia, em menos de um mês. Acontece que o apartamento não tinha qualquer mobília, além de um enorme guarda-roupa embutido no quarto e armários amarelos na cozinha de azulejos antigos e floridos. Tudo bem, já que tinha uma poupança suficiente para comprar o básico e iniciar minha vida.

Depois de uma pesquisa básica em lojas de eletrodomésticos, fiz as contas e resolvi comprar tudo num lugar só, para facilitar a entrega e reduzir as possibilidades de aborrecimento. Geladeira, fogão, máquina de lavar e uma cama. Com o que sobrasse compraria a mesa, que seria a mesma para estudar e comer. Paguei e fiquei relax, esperando o dia da entrega.

Era uma sexta-feira. A campainha tocou e lá vem o pessoal com tudo, menos a cama. Perguntei por ela e tive a primeira notícia ruim: não coube no elevador e eles levariam de volta para entregar num futuro próximo. Fiquei meio aborrecida, mas quem me conhece sabe que isso é quase nada diante do meu mar de tranqüilidade na maior parte do tempo. Mal sabia eu que naquele final de semana descobriria meu limite e saberia que até a pessoa mais calma do mundo uma hora senta e chora.

O fogão não pôde ser ligado porque era para butijão de gás, e não para gás encanado, como era condição dos prédios do Rio. A máquina também não podia funcionar com as entradas e saídas de água totalmente enferrujadas. E para completar, meu colchão inflável, aquele aonde eu vinha desconfortavelmente dormindo há vários dias, furou. Só me restou o chão, literalmente. E foi nele que sentei e chorei feito criança, fazendo toda a força do mundo para me teletransportar para minha casinha montada, quentinha e confortável. Não funcionou. Abri os olhos e ainda estava aqui.

Segui o conselho do meu irmão, super preocupado do outro lado da linha telefônica e fui caminhar na praia. Andei, andei, andei. Aí pintou o pensamento que me salvou: quem está em apuros precisa gritar por socorro. Liguei para o Zé, que não usa celular, não estava em casa, portanto não podia me ajudar. Quem mais? Ora, ela, a que sempre me dizia ao fim de todas as caronas: qualquer coisa que precisar, me ligue. Claudinha, minha amiga mãe, meu anjo da guarda. Ela me jogou a bóia e me tirou daquele inferno. Me abriu a porta de sua casa e de sua família, me deu chuveiro quente, camisola limpa e abriu um vinho. Coisa linda de Deus, que eu abençoei pelo resto da vida.

Aquele cheiro de casa, com gatos e filhos, foi meu ponto de equilíbrio. Foi mais um sinal de que Deus sempre esteve comigo, e de que estou no lugar certo. Pedi à Ele que me dê a chance de fazer por alguém o que Cláudia fez por mim, e que eu saiba enxergar quando essa hora aparecer. Marcelo Camelo escreveu numa canção linda a seguinte frase: Eu sei, todo ser humano pode ser um anjo.

Eu aqui já tenho dois, fora aqueles que não consigo ver. E que com certeza estão esgueirando suas asas por aí.