quarta-feira, 18 de abril de 2012

Abrigo de piá


Hoje não vou escrever muito. Vou deixar que as imagens falem da imensa alegria que sinto por ter conseguido organizar minha casinha, que já é a coisa mais linda do mundo! Estou muito feliz e tudo em mim é gratidão. Pela família linda que tenho, e que me possibilitou isso. E por ter tido coragem de apostar que daria certo. Não foi fácil. Mas, it´s mine!













terça-feira, 17 de abril de 2012

O pra sempre, sempre acaba


Voltei pela primeira vez para casa depois de iniciar o Mestrado. Um mês e 14 dias depois. Falando assim parece pouco tempo, mas este é apenas mais um exemplo do quanto essa entidade impassível pode ser relativa e metafórica. Aconteceu tanta coisa neste período que eu já me senti envelhecer por anos. Todos os anos em que pensei estar inerte se jogaram ladeira abaixo nesses dias de intenso aprendizado. Tenho mais cabelos brancos agora. E mais paciência também.

E isso é outra coisa engraçada, porque pensando bem os últimos seis anos não foram nada fáceis. Voltei em 2005 de Teresina com um diploma na mão e mil sonhos na cabeça. Encontrei uma família desgastada pela necessidade premente do divórcio dos meus pais que tardava em acontecer, numa casa já pequena demais para tantas diferenças, apesar dos mais de 200 metros quadrados de área construída. Assumi os cuidados com meu avô, e fui a primeira a receber o diagnóstico de seu câncer de intestino em estado avançado. Também fui a primeira a perceber que a vovó estava surtando sob a incapacidade de lidar com aquele quadro e sugeri que ela fosse morar em Baturité com minha mãe, enquanto eu ficava em Fortaleza acompanhando o tratamento do vovô.

O divórcio saiu debaixo de muito desentendimento. Vovô faleceu 19 dias após a cirurgia de retirada do tumor. E passei a administrar a vinda de minha mãe com minha avó para Fortaleza, onde nos juntamos todos (elas, eu e meu irmão mais velho) para tocar o barco adiante, por tormentosas marés nunca antes navegadas. Eu tinha me tornado adulta, e só percebi quando passei a cuidar com paciência e amor dos dias que separavam a falta de diálogo dos meus pais com a descoberta de ambos da possibilidade do nascimento de um outro tipo de amor, chamado amizade.

Vencemos o apartamento alugado e sem conforto. Vencemos a compra do primeiro carro. Vencemos a procura do novo apartamento, desta vez para comprar. Vencemos a sua reforma e a última mudança. Venci o fim de um namoro longo, que eu pensava que se tornaria casamento.

Minha avó faleceu em maio de 2011 e demorei meses para me perdoar por não ter podido estar ao lado de minha mãe nos instantes finais de sua vida. Em Brasília, viajando a trabalho, só pude desejar força e controlar o desespero até conseguir tomar o próximo vôo.

E quando eu pensei que me daria por satisfeita em poder respirar um pouco, resolvi investir em mim depois desses anos vivendo muito mais como neta, filha e irmã, e tentei em outubro a seleção do Mestrado. Pedi ajuda de um amigo querido e ex-professor e fiz o que pude da forma mais coerente possível. Deu certo: projeto, prova e entrevista. Juntar coragem para deixar a paz tão duramente conquistada da minha casa. A casa mais linda do mundo!

Um mês e 16 dias no Rio e a certeza de que nunca estamos prontos. Nunca. De que não é possível, apesar de tudo o que se amadurece, voltar pra casa e não sentir o coração apertado e a vontade imensa de ficar onde sempre existirá colo, sopa no jantar e planta na varanda.  

Meu sobrenome é saudade. 



sexta-feira, 13 de abril de 2012

Todo ser humano pode ser um anjo



Não se preocupe, você está autorizado a sorrir no decorrer desse texto. Porque ele é do tipo que seria trágico, se não fosse cômico.

Quando encontrei meu apartamento no catete, tive imediatamente que tomar uma decisão: viver confortavelmente sozinha, mas com o dinheiro mais apertado ainda, ou rejeitar esse achado e permanecer no quarto alugado em Santa Tereza até achar algo que eu pudesse pagar com mais folga e agüentar mais um pouco a falta de privacidade. Para ilustrar melhor, preciso dizer que este apartamento é perto do metrô e dele tomaria apenas um ônibus para a Fiocruz, e ainda moraria perto do Zé, e de um bom lugar para onde correr quando fosse preciso. E se fosse.

Decidi ficar e confiar no futuro. Pensei: ah, se apertar e a coisa ficar preta, arrumo alguma coisa para fazer ou alguém para dividir. E vim linda e exausta receber as chaves e mudar minhas malas de lugar. Quarta moradia, em menos de um mês. Acontece que o apartamento não tinha qualquer mobília, além de um enorme guarda-roupa embutido no quarto e armários amarelos na cozinha de azulejos antigos e floridos. Tudo bem, já que tinha uma poupança suficiente para comprar o básico e iniciar minha vida.

Depois de uma pesquisa básica em lojas de eletrodomésticos, fiz as contas e resolvi comprar tudo num lugar só, para facilitar a entrega e reduzir as possibilidades de aborrecimento. Geladeira, fogão, máquina de lavar e uma cama. Com o que sobrasse compraria a mesa, que seria a mesma para estudar e comer. Paguei e fiquei relax, esperando o dia da entrega.

Era uma sexta-feira. A campainha tocou e lá vem o pessoal com tudo, menos a cama. Perguntei por ela e tive a primeira notícia ruim: não coube no elevador e eles levariam de volta para entregar num futuro próximo. Fiquei meio aborrecida, mas quem me conhece sabe que isso é quase nada diante do meu mar de tranqüilidade na maior parte do tempo. Mal sabia eu que naquele final de semana descobriria meu limite e saberia que até a pessoa mais calma do mundo uma hora senta e chora.

O fogão não pôde ser ligado porque era para butijão de gás, e não para gás encanado, como era condição dos prédios do Rio. A máquina também não podia funcionar com as entradas e saídas de água totalmente enferrujadas. E para completar, meu colchão inflável, aquele aonde eu vinha desconfortavelmente dormindo há vários dias, furou. Só me restou o chão, literalmente. E foi nele que sentei e chorei feito criança, fazendo toda a força do mundo para me teletransportar para minha casinha montada, quentinha e confortável. Não funcionou. Abri os olhos e ainda estava aqui.

Segui o conselho do meu irmão, super preocupado do outro lado da linha telefônica e fui caminhar na praia. Andei, andei, andei. Aí pintou o pensamento que me salvou: quem está em apuros precisa gritar por socorro. Liguei para o Zé, que não usa celular, não estava em casa, portanto não podia me ajudar. Quem mais? Ora, ela, a que sempre me dizia ao fim de todas as caronas: qualquer coisa que precisar, me ligue. Claudinha, minha amiga mãe, meu anjo da guarda. Ela me jogou a bóia e me tirou daquele inferno. Me abriu a porta de sua casa e de sua família, me deu chuveiro quente, camisola limpa e abriu um vinho. Coisa linda de Deus, que eu abençoei pelo resto da vida.

Aquele cheiro de casa, com gatos e filhos, foi meu ponto de equilíbrio. Foi mais um sinal de que Deus sempre esteve comigo, e de que estou no lugar certo. Pedi à Ele que me dê a chance de fazer por alguém o que Cláudia fez por mim, e que eu saiba enxergar quando essa hora aparecer. Marcelo Camelo escreveu numa canção linda a seguinte frase: Eu sei, todo ser humano pode ser um anjo.

Eu aqui já tenho dois, fora aqueles que não consigo ver. E que com certeza estão esgueirando suas asas por aí.



quinta-feira, 12 de abril de 2012

Be-a-bá


Ainda não consegui domar o Mestrado pela crina, ou o touro pela unha (lembrei dessa expressão que o ministro da Saúde usou para falar das Emergências do Brasil). Estou feito esponja, absorvendo tudo. Algumas coisas com mais facilidade, outras com menos. Bem menos. É prazeroso voltar à sala de aula. Voltar ao ambiente onde não é permitido aceitar o que está pronto como encerrado, fechado, concreto. Voltar a perceber que tudo é processual e que cada coisa tem ou pode ter um porquê. E pode ser diferente. Mas não sei se conseguirei ser pesquisadora, o que está além do Mestrado. Falo de ter isso como vida, mas não quero falar sobre essas questões agora, pois exigem hipóteses que ainda não tive tempo de formular. É cedo.

No entanto, essa desorganização absoluta da minha vida, estruturalmente falando, não me permitiu ainda construir um ritmo de estudo, com começo, meio e fim. Sim, fim, porque pretendo manter os demais papéis sociais que me compõem como sujeito no mundo, embora em outros ritmos. É uma merda, porque fico ansiosa, e isso gera culpa, que gera medo, que gera preocupação, a coisa mais sem futuro do mundo. Afinal, se preocupação resolvesse alguma coisa...

Gosto muito das aulas da Inesita, e como este blog é um Portfólio, é bom que se diga que não pretendo personalizar as impressões (não assim, dando nomes aos bois). O prazer que sinto nas aulas dela está absolutamente relacionado ao assunto que ela conduz, à disciplina que ministra e, claro, à forma como ela o faz. Também tem a ver, é óbvio, com a feliz correspondência entre a Inesita que conheci nos textos, a ARAÚJO, I., e a pessoa que fala em sala de aula. Em mim, a capacidade de atenção e absorção que ela desperta são equivalentes vendo, lendo ou ouvindo. A primeira expressão dela que vou guardar mestrado afora é: ‘As palavras não são inocentes. Todas carregam uma história, muitas vezes cercada de sangue e de dor’.

Isso me remeteu a uma discussão que tive com o então namorado num dia comum, de um passeio qualquer. Estávamos no carro dele e começou a tocar um pagode desses fáceis e bem agradáveis de ouvir. Mas aí eu, como sempre, fui me ligando na letra e percebi que era terrível. Não saberei reproduzir, mas falava de uma moça que implorava a atenção de um rapaz e que era capaz de tudo para conseguir isso, uma degradação que mexeu com meu feminismo. Mesmo sendo ele nada exagerado, básico até. Aí eu comecei a falar que a música era horrível e a questionar porque ele ouvia aquilo. Daí que o tal rapaz, meio sem saco do meu questionamento, me chamou de chata e disse que música não era só letra não, tinha melodia e tudo mais. Mas tinha a letra né? Que é discurso. E eu sempre acho que a gente precisa ter cuidado com o que sai repetindo feito cego por aí.

Mas, voltemos às aulas. Jornalistas se entendem, acho. Por isso também gosto das aulas do Valdir. Além de jornalista, ele é mineiro. E esse povo de Minas sempre me faz sentir em casa, começando pelo sotaque com sabor de ‘rede armada na varanda’, de coisas gostosas e despretensiosas. Ele fala muito, mas entendo quase tudo. Por isso cogitei a possibilidade dele ser meu orientador, mas devo conversar isso com a Coordenação do curso, por conta do número de alunos que cada professor pode ter por semestre. Parece que não sou a única a me identificar com ele. Há mais gente querendo que ele engrosse o caldo de feijão da casa mineira, nos dias que as trocas de idéias precisarem ir além da sala de aula.

Às quintas tenho aula de manhã e a tarde. De início fiquei meio preocupada com o lance de render bem menos após o almoço, do sono e tal. Mas tivemos a sorte de ter um professor que não nos deixa esmorecer e ainda traz suco do Hortifruti para a hora do lanche, André Pereira. A aula é de metodologia científica, com outro nome. Mas é ele que tem nos ensinado sobre tipos de pesquisa, sobre passos necessários para construir nosso estudo e sobre como parece ser difícil viver de pesquisa científica no Brasil. Sua franqueza e seu bom humor fazem a tarde passar super rápido, até demais.  Ah, e ele também me impõe a necessidade de estudar inglês, já que a maioria absoluta de seus textos são nessa língua, que eu não gosto, mas terei que adotar como prática de vida também.

A dificuldade, por hora, sobrou para o pessoal da Informação. Tenho duas professoras muito simpáticas, mas o assunto é muito chato. Claro que parte disso se deve a minha extrema dificuldade em organizar e categorizar as coisas. Às vezes a gente faz isso sem perceber, como uma extensão do dia a dia. Mas pensar sobre isso me cansa muito. Preciso de um esforço extra para me manter atenta.

Quero me organizar para conseguir ler todos os textos indicados, ou pelo menos a maior parte deles. E ainda conseguir buscar minhas próprias referências. Precisarei ter cuidado com este caminho paralelo, pois meu objeto é ainda enovelado demais. Mais modéstia e objetividade me farão muito bem, com certeza. Café e canja de galinha também.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Desses tais, que pensam demais



Desconfie quando a dor parecer completa. Sempre pode piorar. Se estiver de pé, se tiver saúde e lucidez, sinta-se grato. Atrás de você tem muita gente na fila das complicações da vida. Dica de quem ficou sem namorado no mesmo momento que ainda dormia num pequeno colchão no chão e ainda não tinha para onde correr em domingos com excesso de cerveja na cabeça e perturbações no espírito.

Meu namorado nunca foi um cara com quem eu conseguia conversar tudo. Fui sempre eu a complicada da relação. A complexa. A detalhista. A que contava a história da avó do irmão da manicura, para chegar na afirmação básica de que o esmalte ficou legal. Ele não lê, não vai muito ao cinema, tampouco ao teatro. Trabalha com futebol e assiste jogos na televisão quase que religiosamente aos domingos. E programas de entretenimento também. Vai à missa. É meio machista, do tipo que questiona certos comportamentos femininos como corretos ou não. Mas questiona os masculinos também, para meu alívio.

Mas ele gosta de música. Canta muito bem e toca surdo tão bem quanto. Usa chapéu e não se importa de vestir camiseta rosa. É divertido e está quase sempre de bom humor. É grande e tem um abraço onde eu caibo, onde não sobra nada desprotegido. E o amor, aos 29 anos já posso dizer: não tem receita. A gente até reúne milhares de critérios importantes e tenta achar alguém que caiba neles. A diferença de hoje para 10 anos atrás é a taxa de porcentagem rígida dessas exigências. Quanto mais o tempo passa, mais flexibilizo as possibilidades. Pessoas são universos enormes e insondáveis demais pra gente rotular e não se permitir conhecer e se alimentar do lado bom que todas elas têm.

Nossa energia sempre fluiu muito bem. Era energia com som de sorriso.

Por isso não fui eu quem pediu um tempo. Continuava feliz com a possibilidade de morarmos mais perto, quase do lado. Rio-Minas é quase uma ponte aérea. Bem diferente de Fortaleza. Parecia tão óbvio que seria melhor que não me preocupei com um problema que já vinha mostrando uma face rígida e pontiaguda bem antes de eu chegar aqui: eu estava crescendo, enquanto ele permanecia e permaneceria exatamente no mesmo lugar. Estava vindo para uma cidade onde muitas coisas acontecem, ou poucas coisas sempre acontecem, nem que sejam sob a forma de paisagem.

Acho que ele se assustou. Acho. Arrumou um motivo qualquer e me pôs de lado. E eu, que já vinha me desmanchando, despenquei. Bebi. Chorei. Voltei a fumar. Pensei milhares de vezes nos outros términos que se acumulam sob minha coluna e não quis acreditar que lá vinha outro fim. A gente cansa disso. E nessas horas reza pra não se apaixonar de novo, nunca mais, ou pelos próximos meses. Ta, pelo menos pela próxima semana.

A vida passa muito rápido. E eu, que já nasci velha, sempre tendo a acreditar que ninguém nasceu para permitir que o sofrimento seja uma lei. Se a posição de cada um de nós nessa fila escrota das complicações for muito ruim, ainda assim a gente precisa lutar para não viver sempre reabastecendo o repertório de lamentações. Sou do tipo que acredita no lance do espermatozóide, que já foi vitorioso de ter virado gente. E de ter conseguido um ingresso para essa fantástica experiência que é a vida. Louca e breve.

Sinto falta da presença dele, que já não era física, mas existia nos torpedos e ligações. Excluí tudo. Tenho um telefone novo agora. Tenho saudade. Mas não quero me entorpecer de porquês. Não hoje. Não mais.

Não.



O nome do blog


Por que jornada de piá?

Foi um insight de domingo. Um domingo que podia ter sido péssimo, mas foi ótimo. Estava almoçando com um amigo de meu pai, que foi minha primeira grande descoberta no Rio. Ele formou em medicina com o meu Zé. E ele é Zé também. Como meu pai, após a graduação foi fazer clínica no interior do Ceará e viver o SUS na prática, nas miudezas que fazem desse Sistema uma belíssima colcha dos retalhes mais diversos.

Mas eles nunca mais tinham se falado. E meu pai, que teimosamente acredita nas amizades que faz, ao saber de minha aprovação no mestrado, fez uma soma simples e razoável. Eu vinha para o Rio e seu amigo Zé mora aqui há bastante tempo. Ou seja: bastava reencontrá-lo para que minha chegada se tornasse mais suave e já ganhasse alguma referência. Confesso que duvidei dessa matemática. Pensei: imagina só se meu pai vai conseguir localizar essa pessoa! Ele não usa internet e há muito pouco tempo começou a usar celular. Mora no meio do mato e não tem a tecnologia como ferramenta. Pelo menos não essa veloz e digital. E mais: qual a probabilidade possível desse amigo dele ainda ser o mesmo cara legal e ligado no passado como outrora? Racionalmente não tinha muita lógica. Mas vá lá, fiz como Luiz Gonzaga e respeitei os oito baixos de meu velho.

E olha só que coisa incrível. O Zé vive aqui. É professor da Fiocruz, mesma instituição que me trouxe a essa cidade enorme e é um cara da melhor categoria. Tipo vinho, que o tempo aprimorou as melhores qualidades. É um nordestino arretado, que virou doutor, professor e ainda anda de sandália de couro e de bicicleta – o veículo mais inteligente que o homem já inventou (posso ouvir ele dizendo isso agora). Gostaria muito de vê-los conversando de novo. Vai ser uma coisa maravilhosa, digna de documentário.

Ainda falarei muito de meu pai por aqui. Se não falando exclusivamente dele, terá muito dele no que escrevo porque tenho muito dele em mim. Também acredito nas amizades que faço e nas histórias que se tecem junto à minha, nos lugares aonde eu chego. E desaguar aqui tem me dado ainda mais orgulho deles, dos meus amores, dos que me trouxeram ao mundo e do que eles dizem e a gente pode escrever sem medo. Zombando minha matemática regular, Zé me recebeu, me apresentou sua família e de vez em quando me salva da solidão e da falta de assunto.

E Zé, o amigo, tem uma filha que também tem 29 anos e se chama Paula. A piá. A piá dele, a menina-filha, a indiazinha branquela, tímida, resfriada e com jeito de neném. E que também parece ser muito bacana, o que ainda terei tempo para descobrir. Quando o vi chamá-la assim, também quis ser piá. Voltei do almoço caminhando e repetindo isso, querendo que essa palavra fosse parte do nome do meu novo blog.

Piá precisa ser minha memória. Precisa ser minha certeza, de que crescerei mas permanecerei criança. Precisa ser meu ritmo espontâneo, sem pressa e com toda a naturalidade possível. Piá precisa ser um jeito de agradecer a esse Zé que me acolheu tão bem. Precisa ser meu papel no Rio, minha vida nova, minhas encrencas e minhas descobertas. Minha jornada.

Já é.



Bonito para chover


De repente o tempo no Rio mudou. Um sol escaldante, caudaloso, grudendo, cedeu lugar a nuvens carregadas, quase sempre seguidas de chuva finas e persistentes, ou de ventos frios, que deixam meu atual estado de espírito ainda mais verossímil. Sempre achei que combino mais com tempo fechado, talvez porque eu mesma esteja sempre em busca de uma harmonia que não existe dentro de mim. A velha harmonia dos dias ensolarados, com crianças correndo nos parques e bexigas voando no céu azul. Nem minha alma, tampouco meu verbo, combinam com isso.  De onde vem essa sensação? Não sei. Nasci assim.

Ao lado do meu prédio tem uma pequena floresta. Ainda não entendi porque a especulação imobiliária está permitindo que isso aconteça. Mas que bom que está, pois assim posso acordar com o canto de algum pássaro. Genérico, uma vez que meus conhecimentos sobre pássaros e seus cantos são demasiadamente chulos. Quase nulos. O fato é que em tempo assim, bonito para chover e ventar, essa pequena floresta se projeta para dentro do meu também pequeno apartamento pelas sombras de suas árvores e seus movimentos. Às vezes me assustam. Morar só é sujeitar-se a assustar-se com grande facilidade. Outro dia achei que minha imagem no espelho fosse uma outra pessoa, que havia entrado no apartamento errado.  

Olhando as coisas assim cruamente, entendo que o caminho que vou percorrer exige um tempo de adaptação que não considerei na tomada de decisão. Qual o tempo necessário para chegar em casa e sentir prazer com o fato de todas as coisas estarem exatamente no mesmo lugar em que as deixamos antes de sair? De quanto tempo a gente precisa para não se sentir abandonado quando o contato social definitivamente encerrar da porta para dentro? As pessoas mais racionais tendem a resolver isso mais facilmente, ou a fingir mais rapidamente que resolveram. Tive um namorado que suportava o fato de passar o Natal sozinho, longe da família, numa cidade universitária. Existe gente assim, feita de um material que eu desconheço. E nisso não há critério de valor, de serem mais ou menos ‘bacanas’ por conta disso. São apenas diferentes.

Olhando minha casa engraçada, sem quase nada – fogão ainda não instalado, sem cama, sem televisão, sem som, sem internet, sem mesa e sem plantinha para regar – eu reúno instrumentos para fazer a minha própria terapia. É necessário que seja assim, ou enlouquecerei. E escrever, mais uma vez, será a minha redenção. Peço, quando rezo, que o Mestrado seja razão suficiente para me manter firme, e rápido, pois não poderei – como da primeira vez que saí de casa para fazer minha graduação – levar mais de um ano para me adaptar. Se assim, passarei todo o tempo do curso me adaptando, e isso será insuportável. Mas olha eu tentando regrar o tempo, tambor de todos os ritmos! Este tal, que tem sua própria lógica nada linear.

Toda a minha geografia está fora do lugar e não sei se isso começou antes ou depois de eu chegar aqui. Talvez eu estivesse represando tudo, e agora que saí de minha zona de conforto, as crises mais antigas resolveram aflorar com esse deslocamento de rota. Parece que elas reconheceram a pequena fresta e chutaram fora a porta do controle.

Em tempo de chuva eu sempre falo mais bobagem.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Não é fácil. É estranho.


Hoje não está sendo um dia fácil. Estou muito irritada e entristecida. Há uma semana me mudei para meu apartamento, um quarto e sala no Catete. Há uma semana eu estava deitada no chão da sala, após receber as chaves e me despedir do proprietário, chorando e rindo, e chorando e rindo, tudo com tanta intensidade que fiquei cansada, e adormeci alguns minutos, ali mesmo, no chão da casa que já era minha. Estava cansada demais, e embora alerta, pois ainda precisava arrumar uma pequena bagagem e viajar para São Paulo, onde passaria meu aniversário com meu irmão, eu cochilei de alívio.

Durante toda essa semana eu trabalhei muito. Fui às aulas, me mantive atenta às discussões, pesquisei preços de móveis, comprei móveis, lavei a casa, lustrei os armários, desfiz finalmente as malas e me apropriei de meu armário gigante. Arrumei um jeito de dormir no colchão de ar e acordei todos os dias antes do despertador, com a luz do sol transpondo o vidro da janela grande e ainda sem cortinas. Peguei carona e comprei mais móveis, coisas de cozinha, e fui riscando as anotações das coisas necessárias para viver só. Ainda não acabei, mas avancei bastante. Ah, e claro, pensei, pensei, pensei. Não há tarefa nenhuma no mundo que consiga desligar essa fantástica fábrica de pensamentos que sou eu. Dos mais otimistas aos mais assombrosos.

No entanto, apesar do progresso, não consigo domar minha paciência. Parece que nunca fiz o suficiente. Parece que está tudo demorando demais para acontecer. Hoje, por exemplo, foi o dia de receber os eletrodomésticos e a cama. Veio a geladeira, o fogão e a máquina de lavar, mas a cama não. Veio, mas não coube no elevador. A entrega foi adiada para segunda ou terça, o que me dá no mínimo mais três dias dormindo no colchão de ar. Isso foi o suficiente para eu cair num choro super dolorido, quase infantil. Como assim não coube a cama? E isso apagou a alegria do resto.

Tenho saudade de tudo. De não precisar pensar em nada disso sobre casa e cozinha. De dirigir. De saber chegar nos lugares. Da minha casa, tão linda com seus quadros todos coloridos e suas portas azuis. Saudade da minha tv, e claro, da minha cama! Saudade das poucas vezes em que o telefone tocava (ele já tocava pouco há um tempo, agora ele não toca de jeito nenhum). Saudade do meu irmão, de procurar sempre a luz acesa do quarto, pra saber se ele estava em casa, caso não estivesse no computador. Do meu pai, já nos víamos e falávamos tão pouco que ainda não processei que agora será menos ainda. Saudade da tapioca e do feijão de corda. Da Rafa e da luna. Da Irá e da sopa de quinta-feira. Do cheiro de casa limpa.

Mas a maior saudade é mesmo da minha mãe. De xingar aquele trânsito horroroso até busca-la no trabalho e a gente vir conversando sem parar, quase sempre sem parar. Saudade da sopa que ela faz, ou do arroz com queijo que é sempre uma delícia, o melhor de todos. Posso fazer igualzinho, mas não tem o mesmo sabor. Do abraço dela e do beijo que não é nem na bochecha, nem no nariz, mas na dobrinha que existe entre os dois. Saudade do ‘boa noite’, e do ‘bom dia’ também. Até da bananada que ela às vezes insistia em me empurrar, dizendo sempre que banana tem potássio e é boa para a circulação, eu tenho saudade. Porque ela é a minha maior companheira, e com ela eu nunca me sinto só.

Não quero ir na casa de ninguém. Apesar de já ter algumas manifestações de carinho e amizade aqui no Rio, da Cláudia e do Zé, eu não quero fingir que não dói. Também não há intimidade para que eu apenas fique em silêncio, ou chore, se for essa a minha vontade. Não tenho desprendimento para tanto.


Hoje não está sendo um dia fácil. E está comprido pra caramba.


No princípio, era o verbo aprender


É só um pequeno pedaço de plástico. Não tem uma cor bonita, minha foto ficou esquisita e meu nome veio escrito errado. Mas receber hoje o crachá da Fiocruz me deu uma alegria tremenda. Tanto que já estou em casa faz tempo, e ainda não o tirei do pescoço. Antes, andei de ônibus, passeei pela rua e entrei numa loja, tudo de crachá pendurado. Fingindo ser uma coisa bem natural, do tipo: ah, esqueci de tirar. O fato de ainda estar usando este objeto enquanto escrevo é meio ritualístico, como se eu dissesse: pela força do crachá, daí-me inspiração! Viagem, eu sei. Mas eu estava com saudade disso, de viajar. De ficar horas imersa numa sensação de que as coisas estão mudando, e de que a vida é incrível por isso! Porque nos despenteia e não permite que a gente se acostume.

Vim para o Rio com a vontade clara de mudar de vida. Eu queria isso, mas não sabia por onde começar. Aliás, tinha começado por caminhos inférteis, mudando sempre a cor e o corte dos cabelos, sem permitir nunca que minha cabeça deixasse de apresentar uma novidade. Pelo menos ela. Mas não bastava. Eu queria mais. Desejava ser jogada de novo em algum lugar onde eu soubesse responder à pergunta: e agora, por que eu estou chorando? Hoje eu sei: estou chorando por saudade. Da minha mãe, do meu pai, da minha casa de portas azuis (azul colonial, diga-se). Da minha cama, da sopa antes de dormir. Dos meus amigos, do meu carro, de ter sempre companhia. São coisas tão concretas, que eu quase posso tocá-las, apenas ao lembrar delas. Mas é que essas coisas todas me deixavam tão saciada que eu não tinha um título para o vazio que sempre pinta, que de vez em quando pinta. Vinha do trabalho? Vinha do namoro à distância? Vinha de ter parado de estudar e de ter tantas vezes ligado o piloto automático da acomodação? Vinha de onde?

Vim para o Rio porque suspeito que meu lugar-comum, aquele onde de fato me sinto em casa no sentido existencial do termo, é a mudança. Quando tudo está se desconstruindo é que eu entendo que estou viva, e sinto que preciso ter braços e pernas fortes, que preciso ter coragem. De ser só. De não ser mais a menina dos abraços matinais em quase todos os companheiros de trabalho. A que sempre conseguia escrever os cartões de aniversário, e a que diuturnamente estava disposta a dar carona, inclusive para caminhos opostos. De não ser mais a filha quase mãe, que sempre resolvia tudo e que dormia contente no berço da gratidão alheia. E aqui, quem eu serei? A estudiosa? A conciliadora? A comilona? A moça do Catete bordada de flor? Terei amigos? Já os tenho? Beberei com eles a mesma cerveja de sempre, ou descobrirei outros sabores? Invocando Narcisa, são tantas possibilidades! Darei conta da proposta? Claro que sim, todos dirão. Sim, penso eu. Sairei viva e confesso: quem serei já me desperta curiosidade.

Vim para o Rio porque queria estudar de novo, olhar minha vida profissional sob outra perspectiva. Queria entender que comunicação é essa que rege a minha conduta, e que me fez ter uma causa na vida. Que é razão de minha angústia e também de meu prazer. Mas não tenho plano b. E se está certo o professor que um dia disse que todo aquele que não tem plano b, não tem plano algum, danou-se. Minha lua é a curiosidade, e o verbo que me rege é ‘aprender’. Estarei atenta aos menores sinais: os oficiais e os subliminares também. Ao que dizem os professores e ao que cochicham os colegas. Às cores que tingem a cidade e à sua velocidade. Ao que está impresso nas dezenas de livros e à ponte que construirei entre eles e aquilo que eu já era antes de chegar aqui. Às poesias pintadas nos muros da cidade e às ausências delas no metrô em horário de rush. Conhecerei melhor o sabor da minha própria comida e tentarei me reconhecer quando esbarrar no espelho e perceber que as olheiras cresceram ainda mais. Ouvirei as histórias dos cariocas e tentarei decodificá-las exageradas ou não. E se tudo isso me engolir, descansarei no silêncio da vida sem companhia que escolhi ter.

Este é o início da jornada da menina, da moleca, da preta, da piá. Ela está assustada. Mas está muito feliz.