segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Mais positivo que mil divãs



Neste Natal não vou fazer uma lista de pedidos. As promessas para 2013, embora tentada a fazer o contrário, também vou dispensar. Tampouco ficarei com o discurso ‘ah, foi tudo lindo porque tive saúde e minha família está bem’. É fato que tive saúde, a não ser pelas várias gripes me avisando o tempo inteiro que alguma coisa no meu sistema imunológico recusava se adequar tão fácil a uma cidade antiga e cheia de pombos. E é fato também que minha família está bem, segue firme, apesar dos pesares. Graças a Deus. Minha mãe, embora mais triste no começo, se tornou a pessoa mais forte do mundo sem poder contar comigo sempre. E até aprendi a telefonar mais para o meu pai, tanto por vontade quanto por compartilhar da mesma sensação de solidão que ele carrega, e isso ter se tornado para nós um código.

Mas não foi tudo lindo, porque a vida é sempre essa mistura de cheiros e vísceras, e isso nem sempre é leve. A verdade é que alguma coisa mudou em mim em 2012. Mentira, algumas. Muitas. E isso me obriga a deixar esse ano ir com a certeza de que nem 2013, nem 2014, nem 2040 – se o mundo não acabar, óbvio – poderão se resumir a retrospectivas e listas felizes com tópicos coloridos de neon. 

Viver sempre foi uma experiência complexa pra mim. Porque eu faço desjejum com pastel e caldo de cana em feira de rua, sem lavar as mãos depois de descer do ônibus, e acho cabelo cacheado com cheiro de xampu a coisa mais pós-moderna do mundo, mas sempre penso demais. Sinto demais. Onero o gasto que já existe em simplesmente estar vivo, respirando, com o peso das minhas inquietações. E eu realmente passei a ter mais medo de uns tempos pra cá, o que me fazia acreditar que eu não sairia de casa de novo tão cedo. Deixar Teresina já tinha sido dolorido demais para uma pessoa que demora a equalizar razão e emoção. Só que saí. 

E aí que o Rio me virou às avessas. Testou meus limites. Os físicos mesmo. Meus pés doem tantas correrias acumuladas. Não foi fácil perseguir com afinco o 497, o 498, ou esticar as caminhadas rumo à estação mais próxima de metrô. Leia-se: depois de cinco anos andando somente de carro. Procurar endereços novos, organizar minimamente meu GPS interno que já nasceu desconfigurado. Arrumar mala, desarrumar mala. Coluna também reclama à beça. Achar apartamento, mobiliar, errar os tamanhos e modelos das coisas. Devolver, acertar. Não emagreci porque depois dos 25 anos, todo mundo sabe, é difícil. É, tô velha. Pilates, quem sabe? Ah tá, sem promessas... Mas vivi feliz o enorme desapego de compreender que tênis é o melhor sapato que existe. Troquei o dia pela noite, perdi noção de tempo quando parei de ter que cumprir horário de expediente padrão. Percebi com tristeza que beber agora dá ressaca. E que recusar convites é, às vezes, estratégia de sobrevivência. 

Li, e li, e li, e aprendi tanta coisa nova que maravilhei nossa imensa capacidade de esticar o cérebro sem prejuízos. A não ser os morais, quando o que a gente aprende nos estapeia a cara e nos faz pensar que tudo o que a gente sonhou que daria certo já foi comprovadamente testado e excluído das experiências de sucesso dos cientistas e estudiosos em geral. Mas esses choques são por vezes necessários, para que a gente mude de rumo e tente outras estratégias para continuar tendo fé. Reconstruí meu objeto de estudo diversas vezes, e precisei conviver com ele a ponto de sentir algum amor, e conseguir defende-lo das inúmeras especulações do tipo ‘estudar isso é mesmo necessário?’. As minhas, inclusive e principalmente. Pra mim, hoje, é. E foi gente à beça nessa jornada: autores, quase-autores, professores. A moça que faz o pão na chapa na Fiocruz e os meus porteiros nordestinos antipáticos. Até mendigo porra-louca teve suas vezes de guru! 

Conheci quilos de pessoas, classifiquei na minha rede social uma penca de gente como ‘conhecido’ e tive o imenso prazer de reclassificar para ‘amigo’ e até ‘melhor amigo’ também. Estes, poucos. Mas indispensáveis para me manter de pé, quando eu tive que reaprender também que é o dia-a-dia que faz nossa presença presente. E que não estar perto é, quase sempre, um atestado para não ser lembrado. E para a gente esquecer também, claro. E assim esqueci aniversários de amigos antigos, me vi esquecida em datas antes nossas e memoráveis, não pude estar sempre com amores que cuidei tanto de regar até virarem plantas fortes. Vi isso doer. Escamar. Tal útero nosso, que se desmancha todo quando não fecundado. Cuidei de não perder o juízo por isso.

Amei o Rio. Odiei o Rio. Aprendi a dar uma explicação razoável para cada pessoa que me achou mais carioca a cada dia, e que passou a ter mais vontade de conhecer essa cidade a partir de minhas narrativas. E a explicação era mais ou menos assim: tô ótima/o Rio é lindo/amo cada vez mais minha cidade, meu torrão natal/venha você mesmo e veja como é. Até construí uma teoria sobre os cariocas, mas isso fica para um outro escrito, num outro final de ano, quem sabe. Mas foi tanta paisagem, foi tanta folia, foi tanta zona norte e zona sul... Foi balanço de trem, foi banho gelado de mar. Samba de Escola e de mesa de bar. Feira de fruta, feira de artesanato, feira de tudo. Cerveja. Ah, cerveja! Baratas e caras, latas e garrafas. Beijei menos do que minha imagem de Rio alimentava e fiz muito menos sexo do que em toda a minha vida, em todos os lugares onde morei. Inaugurei uma nova perspectiva de ser, composta de todas essas ausências e de todos esses exageros. E pela primeira vez na vida olhei para o futuro com uma vontade de que ele seja menos enigmático. Com a impressão de que ter algum plano talvez seja útil. Nem que seja uma poupança para conhecer a Índia.

Aí estou aqui, agora. Com o primeiro ano de mestrado quase encerrado. Mil dúvidas na cabeça, muito cansaço e uma vontade imensa de ir pra casa de férias outra vez. O apartamento está uma bagunça, mas agora ele é muito, muito mais colorido do que quando cheguei. Graças ao meu irmão, aos meses antes e, especialmente, aos três meses últimos em que moramos juntos e fomos donos de uma caixa de lápis de cor imaginária gigante, que saiu dando vida a tudo ao nosso redor. Paredes e pessoas. Tenho um mural de fotos dos seres mais queridos aos quais dou bom dia e boa noite, e é curioso ver que essa coleção de imagens cresceu. E mudou também. Cada canto da casinha lembra as pessoas que recebi, os presentes que elas deixaram, os cafés que dividimos entre conversas e cochilos. As minhas queridas amigas mineiras, que ganharam durante o ano cama e banho em troca de bom papo, de boa companhia... e de alguns drinques também.

Olho para a mala vazia por arrumar e no fim, do ano e desse texto, percebo que uma certeza sobreviveu a essa enxurrada de experiências: a de que a vida é, e sempre vai ser, o que a gente faz dela. Óbvio? Siiiiiimmmmmm! Trivial? Que seja. Aprendi há tempos que é no que já está dado que mora o perigo, e que é preciso muita competência para cultivar o hábito diário de confiar no que a gente sabe ser o caminho, e seguir.

Baile funk, cerveja no Barurca, vista do mirante do Leblon, banho de cachoeira na floresta da tijuca... Carnavaaaaalllll!! 2013, seu lindo, já pode chegar e dar espaço a tudo isso que ainda preciso viver no Rio! E muito mais.

Feliz ano para você que, como eu, não faz a menor ideia do que ele será... Mas e daí? Ele será. E isso basta.