Foi a rádio do táxi que me deu
essa informação na chegada. E achei engraçada a coincidência. Estávamos em
festa, a cidade e eu. Curtindo a espreita do novo. Ou do velho que reincide e
se renova. Sentindo. Rangendo. Amadurecendo. Tudo do jeito que eu gosto, no
gerúndio.
Olho em volta e cada centímetro
do meu apartamento é um mosaico dessa história. Os quadros, os armadores para
redes, as cortinas, o carrinho de feira, a plantinha ressentida, as fotos na
parede ao lado da mesa do computador... Tudo existe por escolha e determinação
minhas. Tudo cheira a mim. Tem a cor dos meus dias e o som das minhas
gargalhadas. Tem o ecoado triste de todas as lágrimas. Tem a lembrança de todo
mundo que já veio e já foi. Meu rastro num álbum de concreto: teto, parede,
chão.
Não parece que foi ontem. 400
dias de desconstrução, negação e reafirmação.
Para ser sincera, às vezes eu
acho que já fiquei tempo demais. Ou desaprendi a medida do tempo para cada
coisa tomar seu rumo. E assim a pressa parece que se arrasta.
Durante as férias (nem tão férias
assim), em Fortaleza, fiquei um bom tempo imersa no mestrado, dedicada a dois
trabalhos: da disciplina de Saúde, Mídia e Mediações, e da disciplina de
Memória, Mídia e Doenças. Nas duas situações eu tinha a opção de escrever uma
relação da disciplina com o meu objeto de pesquisa, mas só consegui fazer isso
em uma delas. A interdisciplinaridade não é sempre. O resultado foi ótimo: de
um lado cresci na tão aclamada relação da mídia e da saúde (que é minha área de
interesse), e de outro me apaixonei por Memória. Pena não tê-la encontrado
antes.
Voltei ao Observatório de Saúde e
Mídia logo depois do carnaval. Meu trabalho lá consiste em ler algumas edições
de jornal por dia, geralmente de um mesmo jornal, e mapear como a saúde aparece
no discurso da imprensa, separando todas as notícias com indícios dessa busca.
Mas não se enganem com a aparente simplicidade da missão. Pois nem é fácil
definir saúde, nem ela se revela óbvia a qualquer piscadela. Caço em silêncio,
para não assustar o discurso.
Registrados os achados, vou-me
embora quase sempre me sentindo tecnicamente depressiva. Ler jornal só faz bem
pra saúde enquanto dado de pesquisa. A mente e a alma ficam péssimas.
Enquanto não começavam as aulas,
dediquei meu tempo à tão ansiada qualificação. Escrevi a revisão bibliográfica
e agora estou construindo em paralelo a introdução e o referencial teórico. A
dura tarefa de aprender a ser pesquisadora se torna mais fácil com uma
orientação presente, agendada e cumprida. Dói, cansa, mas me agiganta. Meus
companheiros agora são Bourdieu, Verón, Traquina, Oliveira, Araújo, Milton
Pinto, Sacramento... São difíceis eles, personalidade forte demais!
Nessa semana apresentei o blog
aos novos alunos de mestrado e doutorado do PPGICS, a convite da professora
Inesita. Foi engraçado porque pela primeira vez eu senti um medo que nunca
senti aqui, nesta disciplina. Medo do que iam pensar de mim, do que exponho, do
que dou, pela palavra, validade e importância. Só ali eu percebi que sou o
contraponto. Que pelo blog, me expus mesmo, sem pecado e sem juízo. Não me
arrependo, mas revejo a proposta de relação que quero ter com o mundo que
acessa a internet. É difícil, porque eu gosto de compartilhar. Mas por que?
Como? Para quem? Perguntas.
Deve ser por isso que hoje a
escrita está rígida. Está assustada, coitada. Acuada num canto escondido de
mim. Está como eu estou, na reserva. No meu outono íntimo.
Quando a gente menos esperar, floresço
outra vez.