terça-feira, 25 de setembro de 2012

Pássaros, pessoas


A aula que corre é sobre uma pesquisa de Clima e Tempo. A sala está cheia. Com exceção da Janice e da Mônica, acho que todo mundo veio. Obviamente não estou muito ligada no assunto, ou não estaria escrevendo agora meu texto de Portfólio, embora aqui e acolá escute termos como ‘indicadores’, ‘mapeamento’, ‘saneamento’, ‘encrenca’. Dados oficiais.

Minha dispersão está um tanto relacionada ao temor que estou sentindo deste segundo semestre. Quando fiz minha inscrição em junho, imaginei que daria conta de cinco disciplinas sem perder todos os cabelos da cabeça, até porque uma delas é esta, o Portfólio. Tranquilo.

Mas hoje penso que juntar Kátia Lerner, Carlos Estellita e Valdir de Castro em um único semestre pode não ter sido uma boa idéia. É muita competência e muita exigência juntos. História da Ciência, Filosofia, Narrativas, Memórias, Doenças, Mídias, Mediações. Midiatização. Seminários, bibliografia em inglês, espanhol, francês. Zonza. Pausa.

Então se a aula não colar, lá vou eu tentar pelo menos terminar alguma coisa pra amanhã ou depois de amanhã. Não é desleixo, é medo mesmo, de não dar conta de tudo.

Amanhã também começo meu estágio no Laces...

Olhem bem pra mim e saberão se foi bom ou ruim.

Aliás, contei a vocês que sou orientanda da Kátia Lerner? Estamos começando agora a discutir nosso projeto. Ao que me parece, ainda vamos analisar o discurso construído pela mídia impressa de Fortaleza sobre o SUS. E já iniciei pagando mico. Ao começar a indicar minhas leituras, ela perguntou assim: ‘Você já leu o que é o SUS?’ E eu, vaidosa, respondi: ‘Umas trezentas vezes, professora’. E ela: ‘Então tá. Não vou te fazer ler 301’. Depois me ocorreu que a pergunta era simples demais e retrocedi: ‘Professora, ‘O que é o SUS’ é um livro’? E ela: ‘Sim, claro’. Vai fazer título bobo assim lá em casa, né? Foi o que eu pensei. Porque o que eu disse mesmo foi: ‘Desculpa professora, imaginei que a pergunta fosse se eu tinha leituras sobre o que é o SUS, assim, de um modo geral’.

Bibliografias a parte por agora, estou feliz de ser orientanda dela. É como se eu voltasse a um movimento de disciplina do qual havia saído desde que concluí a Universidade. Naquela época, tive uma orientadora tão complicada, mas tão complicada, que quando apresentei minha monografia eu só pensava que nunca mais queria saber de uma pesquisa na vida! Na Especialização, paguei pelos meus desejos e arrumei uma professora que marcava comigo na casa dela e não aparecia! Imaginem vocês: na casa dela e ela ainda conseguia sumir! Eu ficava sentada na calçada, esperando, até ela chegar com as desculpas mais esfarrapadas do mundo. Enfim, tenho muita fé na firmeza da Kátia. Acho que vai ser bem produtivo.

Voltando ao hoje, olho ao redor e acho graça no que vejo. Somos os mesmos alunos, mas parecemos tão diferentes! Tão mais... adultos. Cada rosto se esforça por esconder uma ansiedade que grita. Penso sobre o pouco de cada um que já conheço, e deste pouco, o quanto chegou a mim sem qualquer esforço o quanto eu tive que cavar com a teimosa persistência de quem não gosta de viver só. E por não gostar, eu corro atrás das pessoas. Às vezes ocorre delas correrem de mim, mas faz parte. Quantas eu empalideci com confissões, quantas eu decepcionei com silêncios... Quantas acabaram se tornando referências tão diferentes das que eu acreditava, com meus parcos conhecimentos astrológicos e psicológicos. Enfim, pessoas.

Aliás, tenho aprendido que o Rio me pede uma coisa que nunca consegui dar. Ou nunca tentei. Essa coisa é um olhar para a cidade, além de olhar para as pessoas. Às vezes saio para resolver alguma coisa dessas bem práticas, tipo comprar arroz ou fita adesiva, e sento um pouco nas milhões de praças espalhadas por aqui. Nesses momentos, minha única função é observar. E que luxo poder fazer isso! Árvores antigas, pombos se reproduzindo sem qualquer controle, flores de todas as cores. Velhos de todos os tipos, dos que cospem no chão e dos que arrastam seus carrinhos de compra com uma dignidade alentadora! Crianças perversas, barulhentas, e bebês que nem se precisa chegar perto para saber que cheiram à lavanda johnson. Ouço risadas, conversas aleatórias, e me pergunto sempre que espécie de cidade pode cultivar e fazer envelhecer tipos tão diversos de moradores!

Sinto a forma como se usa a cidade e também como se abusa dela. No Aterro do Flamengo, aonde vou quase todos os domingos possíveis, para fotografar ou não, eu penso em como seria bom se Fortaleza tivesse uma avenida inteira fechada só para as pessoas. Para que corram, andem, pedalem, ou façam nada, como eu. Escuto os pedidos de desculpa durante os esbarrões e vejo que aqui se constituiu uma espécie de civilidade que não vejo muito em minha cidade, infelizmente. Uma civilidade um tanto cheia de chiliques às vezes, é certo, mas uma forma de tanta gente por metro quadrado não se esfolar por um pouco de sol.

Continuo sem namorado, mas tenho tentando ser legal comigo mesma. Copiei a fórmula da minha amiga Carolina e sempre que fico bonitona, arrumadona e cheia de mim, olho no espelho e digo assim: ‘Olha só meu amor, você que também está me procurando e ainda não encontrou, estou indo agora pra Lapa, tá? Se quiser, você também pode ir pra lá’. Daí quando chego à porta e penso no que falei, às vezes volto e complemento: ‘Mas entenda que você não pode me encher o saco, porque meu tempo é curto e minha tarefa aqui é árdua’. Acho que nessa parte o meu amor se assusta e desiste de ir atrás de mim.

No mais, só o aconchego do lar. Vazio ou cheio de visitas. Lar-albergue-lar. E na falta da canja de minha mãe, alguma novela e um macio lençol, encaixadinho no cangote, esperando o sono chegar e levar o cansaço de quem tenta. O cansaço de quem tem conseguido só ser. Feliz, triste, medrosa, teimosa. Ser.