quarta-feira, 12 de junho de 2013

Mais afeto, por favor


Não está faltando amor no mundo. E eu estou desolada com essa descoberta. Porque a dor me pareceu sempre o caminho mais natural das coisas... O desafeto, o desamor, o desencontro. A gente nasce, cresce, apanha, aprende (ou não), envelhece e morre. E no meio de tudo isso, a gente dói. Tudo bem, tudo bem... a gente se diverte também... mas o drama tem muito mais glamour. Desde Shakespeare é assim.

Então eu achava sempre que o amor tinha a ver com isso tudo. Eterno culpado. Se alguém era feliz, era porque conhecia o amor. E se era triste, era porque isso lhe faltava. Ou, como nada é tão óbvio assim, alguém também podia ser infeliz por amar demais. Ou de menos. Geralmente demais, porque amar é ser generoso em matéria bruta. E eu acho mesmo que o mundo seria muito, muito melhor, se houvesse ‘mais amor, por favor’.

Acontece que há. Se a gente olhar bem, com tempo e com audácia, a gente consegue enxergar amor em todos os lugares. Em todos os formatos. Na neta que acompanha a avó com sua bengala pela rua. No cheiro de pão que sobe o asfalto todos os dias em que saio cedo de casa. No gesto de quem te dá passagem pela calçada estreita. Na honestidade de quem avisa que ‘moça, sua bolsa está aberta’. No papo bom com o recém-estranho ao lado. E ok, nos casais também! Os que mandam beijos pelas janelas dos ônibus sempre me deixam emocionada... Isso tudo pode ser apenas civilidade, educação, compromisso. Mas também pode ser apenas e tão somente amor.

E antes que se conclua que eu surtei, eu reconheço que há desamor também. Claro. Em excesso. Mas não é disso que quero falar agora. O ponto é outro, e é outra a conta que não fecha.

O que eu tenho visto é que o amor mudou. E foi a gente que fez isso com ele. É a gente, aliás, que faz isso com ele todos os dias, quando nega nossa capacidade de se dar a toa, na bobeira dos dias comuns. De aceitar os pedidos de desculpa, e de se desculpar também. De se permitir ser dois, ou três, ou dez, sem que pra isso precise, necessariamente, deixar de ser um.

A gente muda o amor porque não sabe mais o que fazer quando ele chega feita onda, transformando sem dó o que já estava absolutamente conformado. Abrindo todas as nossas janelas e nos destituindo dos poderes que custamos a acumular com os anos. São todos tão dignos, não? Poder de saber quando está sendo enganado, de reconhecer quando alguém está dizendo a verdade, de julgar quando qualquer coisa sai do padrão das nossas crenças e manias... Eu, por exemplo, tenho o superfantástico poder de antecipar o fim das coisas. Tenho tanta certeza que ele virá, que eu prefiro me desesperar logo, e resolver de vez o ‘problema’. Logo eu, que amo tanto, mato o amor de sufoco.

Desenvolvemos, com o passar do tempo e a força das tecnologias, preciosas habilidades. Todas temperadas pela cultura do medo, da violência e do consumo. Por conta delas, a gente empacota o amor e põe na estante, ou manda por sedex. Edita o amor e publica na internet. A gente higieniza o amor, querendo sempre só o seu lado bom. O lado que cheira a flor...

Então esses dias eu comecei uma nova campanha. Nela, ao invés de pedir mais amor, vamos sair por aí pedindo mais afeto, substantivo comum de afetar-se, de dispor a alma, de nutrir. Deixar-se tocar sem cura, e refletir sem filtro. Afeto descontrolado, que ruborize nossa face e que arrepie nossos poros. Sem explicação que convenha. Sem motivação necessária. Afeto-ato. Orgânico. Voltando ao estado mais natural possível das coisas e dos gestos.

Num nível mais interpessoal, que seja uma campanha por qualquer coisa que não traga junto uma decisão elaborada, pré-construída, seja ela qual for: de casar, de ficar junto, de ficar só... Campanha para que o afeto seja o insight de uma nova direção. Nem que seja por um dia. Nem que seja por hoje.

Não está faltando amor no mundo. A gente só precisa resgatá-lo.