Não está faltando amor no mundo. E eu estou desolada com essa descoberta. Porque a dor me pareceu sempre o caminho mais natural das coisas... O desafeto, o desamor, o desencontro. A gente nasce, cresce, apanha, aprende (ou não), envelhece e morre. E no meio de tudo isso, a gente dói. Tudo bem, tudo bem... a gente se diverte também... mas o drama tem muito mais glamour. Desde Shakespeare é assim.
Então eu achava sempre que o amor tinha a ver com isso tudo.
Eterno culpado. Se alguém era feliz, era porque conhecia o amor. E se era
triste, era porque isso lhe faltava. Ou, como nada é tão óbvio assim, alguém
também podia ser infeliz por amar demais. Ou de menos. Geralmente demais,
porque amar é ser generoso em matéria bruta. E eu acho mesmo que o mundo seria
muito, muito melhor, se houvesse ‘mais amor, por favor’.
Acontece que há. Se a gente olhar bem, com tempo e com
audácia, a gente consegue enxergar amor em todos os lugares. Em todos os
formatos. Na neta que acompanha a avó com sua bengala pela rua. No cheiro de
pão que sobe o asfalto todos os dias em que saio cedo de casa. No gesto de quem
te dá passagem pela calçada estreita. Na honestidade de quem avisa que ‘moça,
sua bolsa está aberta’. No papo bom com o recém-estranho ao lado. E ok, nos
casais também! Os que mandam beijos pelas janelas dos ônibus sempre me deixam
emocionada... Isso tudo pode ser apenas civilidade, educação, compromisso. Mas
também pode ser apenas e tão somente amor.
E antes que se conclua que eu surtei, eu reconheço que há
desamor também. Claro. Em excesso. Mas não é disso que quero falar agora. O
ponto é outro, e é outra a conta que não fecha.
O que eu tenho visto é que o amor mudou. E foi a gente que
fez isso com ele. É a gente, aliás, que faz isso com ele todos os dias, quando nega
nossa capacidade de se dar a toa, na bobeira dos dias comuns. De aceitar os
pedidos de desculpa, e de se desculpar também. De se permitir ser dois, ou
três, ou dez, sem que pra isso precise, necessariamente, deixar de ser um.
A gente muda o amor porque não sabe mais o que fazer quando
ele chega feita onda, transformando sem dó o que já estava absolutamente
conformado. Abrindo todas as nossas janelas e nos destituindo dos poderes que
custamos a acumular com os anos. São todos tão dignos, não? Poder de saber
quando está sendo enganado, de reconhecer quando alguém está dizendo a verdade,
de julgar quando qualquer coisa sai do padrão das nossas crenças e manias...
Eu, por exemplo, tenho o superfantástico
poder de antecipar o fim das coisas. Tenho tanta certeza que ele virá, que eu
prefiro me desesperar logo, e resolver de vez o ‘problema’. Logo eu, que amo
tanto, mato o amor de sufoco.
Desenvolvemos, com o passar do tempo e a força das
tecnologias, preciosas habilidades. Todas temperadas pela cultura do medo, da
violência e do consumo. Por conta delas, a gente empacota o amor e põe na
estante, ou manda por sedex. Edita o amor e publica na internet. A gente higieniza o amor, querendo
sempre só o seu lado bom. O lado que cheira a flor...
Então esses dias eu comecei uma nova campanha. Nela, ao invés
de pedir mais amor, vamos sair por aí pedindo mais afeto, substantivo comum de
afetar-se, de dispor a alma, de nutrir. Deixar-se tocar sem cura, e refletir
sem filtro. Afeto descontrolado, que ruborize nossa face e que arrepie nossos
poros. Sem explicação que convenha. Sem motivação necessária. Afeto-ato. Orgânico.
Voltando ao estado mais natural possível das coisas e dos gestos.
Num nível mais interpessoal, que seja uma campanha por
qualquer coisa que não traga junto uma decisão elaborada, pré-construída, seja
ela qual for: de casar, de ficar junto, de ficar só... Campanha para que o
afeto seja o insight de uma nova direção. Nem que seja por um dia. Nem que seja
por hoje.
Não está faltando amor no mundo. A gente só precisa
resgatá-lo.