Conheci dia desses uma frase
ótima: isso que chamam de mestrado é, na verdade, uma máquina de fazer doido. Desconheço o autor, mas como ele tem razão!
Minha loucura, que já saía de todos os buracos da minha cabeça, agora pressiona o
corpo inteiro. Tudo dói. As costas, as imediações do pescoço, os olhos fundos e
pesados. O pulso fisgando a cada clique no botão direito do mouse. Agora sim
fiquei sem muito tempo para abstrações. Para frequentar as praças e os bares da
cidade. Sequer para ir às manifestações de rua. Justo na hora que ficou bom...
Os dias chegam, vão, e
milagrosamente ainda lembro-me de pagar as contas e de manter abastecida a
geladeira. Viver agora é cumprir um cronograma pregado na parede em frente ao
computador, cercado de palavras-chaves escritas em papel neon. Não há dia que
não voe. E só Nina Simone me entende, enquanto faço download de matéria de
jornal, cantando baixinho, noite adentro, no limite de dormir sentada e saltar
para a cama. Até vir o sol e começar tudo outra vez.
Resolvi entrar na academia porque
já não dormia direito, mesmo esgotada mentalmente. Agora, depois de uma aula de
jump e uma ducha morna, difícil é levantar, tão perfeito e profundo é o sono!
Há também alguma vaidade nisso, agora absolutamente assumida. Depois dos 30
comecei a pensar que já tendo me disposto a mudar de cidade, a fazer mestrado e
a viver longe de casa, por que não ficar mais bonita também? Fato é que a
combinação ‘mente sã, corpo são’ agora é uma tradução literal nas imediações do
catete, sem técnicas mágicas. Dura é a vida, menina, já dizia minha avó. Estudar,
fazer dieta, malhar e dormir bem. Tá, e tomar um chopinho um domingo ou outro,
porque se não teria nascido outra pessoa no lugar da Clarisse. E aí seria caso
de internação.
Mesmo não precisando mais, em
termos quantitativos, resolvi cursar a disciplina Análise de Discursos, com a
professora Inesita. Já disse à ela que agora carrego uma mágoa de caboclo,
porque se tal curso tivesse sido ofertado antes, minha cabeça estaria teoricamente
muito mais organizada e potente em tudo, inclusive na qualificação. Mas o que
não tem remédio, remediado já nasceu. E eu só quero saber o que pode dar certo,
seguindo à risca a receita de Torquato. Tem sido muito bonito e muito revelador
o aprendizado.
Estive no Intercom, em Manaus,
apresentando um trabalho no GP que não tinha ‘Saúde’ no título, mas que foi
totalmente dominado pelos representantes da Fiocruz. O professor que apreciou
meu trabalho, assim o definiu: está muito bacaninha, e tem o formato bem
adequado à proposta do PPGICS. Adequar-se, às vezes, é muito gratificante.
Como se não quisesse focar no dia
da defesa da dissertação, empurro para frente o pensamento e esbarro em outro
sofrimento: despedir do Rio justo agora que criei minhas preferências? Que
aprendi a viver essa cidade tresloucada, sem pecado e sem juízo? Agora que já
não me faltam companhias para carnavalizar? Agora que até um relacionamento
fixo, porém aberto, apontou no meu caminho, para invernos rígidos ou não? Minha
família evita, eu sei, mas sinto que a cada dia que passa, a pergunta me
espreita com mais proximidade: chegou a hora de voltar?
O Rio me deu várias coisas e me
tirou outras tantas. Não me sinto capaz agora de mensurar, e talvez nem seja
mesmo a hora, mas pensar que este é o meu último portfólio com fala, com blog, que
aqui começo a me despedir, pelo menos oficialmente, de vários colegas com os
quais não consegui tecer maiores intimidades, já me aperta o coração e a
garganta. E me aperta mais ainda os outros tantos que me deram muitos risos e
acolheram alguns prantos. Nesta vida feita de pessoas, e dos sentidos que as
povoam, eu careço de coração mais substancioso, para aguentar seguir sempre em
frente, confiando no que vai ficar.
A todos vocês quero fazer a minha
homenagem singela. Pois comigo, Cazuza esteve errado. O Cristo abriu os braços
e me protegeu. E seja qual for o meu destino, haverá paradeiro para o nosso
desejo, dentro ou fora de nós.
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